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Thiago Braga

Thiago Braga

Entender a história da guerra é entender a história dos homens. Uma nova coluna todo domingo.

A batalha final pelo Brasil: Holanda vs Portugal

(Foto: wikimedia commons)

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"Quem diria que aqueles comedores de bacalhau seriam tão teimosos assim". Eu tenho certeza de que em algum momento daqueles infelizes 40 anos de guerra os holandeses devem ter dito algo parecido sobre os portugueses.

Contra todas as possibilidades, os portugueses conseguiram resistir ao tsunami holandês deixando o conflito sem desfecho por todo esse tempo. Como vimos no último artigo, os holandeses tiveram grandes vitórias e grandes derrotas, e o impacto geopolítico desse conflito foi sentido em todo o globo: Europa, Ásia, África. Mas ainda faltava um teatro, o mais importante e desejado pelas duas potências, e o resultado nele determinaria o futuro da história mundial.

Os holandeses partem para o nosso Brasil. Liderados por João de Nassau eles chegam em Pernambuco no ano de 1630. Em pouco tempo já conquistam Recife e Olinda, com pouca resistência. Portugal tinha problemas demais: na metrópole, lutava por sua independência contra a Espanha, e ao redor do mundo contra os holandeses. Agora, até no Brasil?

Em poucos anos o Recife passou por um processo de modernização que deixou a população perdida. Ao mesmo tempo que viam avanços em sua cidade, perceberam também que seus bolsos esvaziaram mais rápido do que antes: os holandeses eram bons em infraestrutura e bons em cobrar impostos também.

Claro que pagar impostos demais nunca é bom para ninguém, mas os brasileiros não tinham liderança e muito menos organização militar para lidar com o poder holandês. A chama da resistência, então, começou onde tinha que começar: em Portugal.

Apesar da derrota humilhante, os holandeses não desistiriam do Brasil ainda

Em 1640 D. João IV é aclamado Rei de Portugal e lidera a luta contra os espanhóis. Essa notícia inspirou um grande sentimento nacional aqui no nosso país: espanhóis e holandeses tinham que sair das terras portuguesas, por bem ou por mal. E claro que seria por mal.

Os líderes da Insurreição Pernambucana estavam prontos para mostrar o inferno aos holandeses que fariam seu império queimar: André Vidal de Medeiros, João Fernandes Vieira, Filipe Camarão, Henrique Dias, Antônio Dias Cardoso e Francisco Barreto de Meneses. Nesse Dream Team brasileiro uma união improvável de portugueses, liderados pelo brasileiro André Vidal e o português João Fernandes, seguidos dos indígenas liderados por Filipe Camarão, ele próprio um indígena; escravizados eram liderados por um descendente de escravos, Henrique Dias. Eles parariam o avanço holandês, custasse o que custasse.

Em 18 de abril de 1648, os holandeses partem para conquistar o cabo de Santo Agostinho, região estratégica para a administração holandesa, mas André e João sabiam que para chegar lá os protestantes tinham que passar por um local fundamental: o morro dos Guararapes, próximo a Recife. Lá, 2.200 homens aguardam a chegada do inimigo, mas não seria uma batalha fácil porque os holandeses tinham mais do que o dobro de homens, como aconteceu praticamente em todas as outras batalhas da guerra: 7.400 soldados.

Quando eles chegam, a pancadaria rola solta. Os dois lados sabiam que a guerra já tinha ultrapassado o ponto da diplomacia antes mesmo de começar. Depois muitas horas intermitentes de combate e muitos corpos, sangue e tripas espelhados pelo chão, a batalha se encerra e novamente os portugueses conseguem o inimaginável: derrotam os holandeses, com duas mil baixas, enquanto os portugueses têm menos de quinhentos. Ambos os lados enterram os seus mortos e retornam para seus lugares de origem. Apesar da derrota humilhante, os holandeses não desistiriam do Brasil ainda.

Um ano depois, eles partem novamente para Guararapes onde os brasileiros e portugueses permanecem. E um novo e sangrento confronto se inicia. Novamente, os holandeses estão em maioria: 2.650 "patriotas" contra 5.000 holandeses. Poucas horas depois a batalha se encerra. O fogo do inferno parecia ter caído sobre os holandeses mesmo, porque a segunda batalha dos Guararapes foi ainda mais terrível que a primeira: dos 5 mil que lutaram, 2 mil morreram e outros 100 ficaram feridos, enquanto nossos mortos chegaram a 47 e 200 feridos. O Brasil foi o palco de guerra mais sangrento para os holandeses, e depois de duas humilhações seguidas, não havia mais nada que pudessem fazer, a não ser deixar o Brasil. Foi o que aconteceu. Os holandeses partiram e nunca mais voltaram.

A Batalha dos Guararapes foi o conflito mais decisivo da história do nosso país, onde o resultado poderia mudar não só a nossa história, mas a história mundial. Apesar de toda a tragédia política e administrativa nas quais o nosso país vem sendo cruelmente submetido desde a sua fundação até os dias de hoje, é o povo que construiu esse país e lutou por ele e que fez o Brasil crescer e se tornar um gigante sem o qual o mundo não pode viver. Ainda estamos numa batalha onde cada um de nós pode contribuir para um país e uma sociedade melhor: somente através dos menores atos é que conseguimos atingir os maiores. Aqueles poucos no Jaboatão dos Guararapes conseguiram muito.

Se com os holandeses seríamos melhores ou piores, nunca poderemos saber, mas com os portugueses, índios e negros do passado nós somos o que somos, e podemos ser melhores. Só depende de nós.

***

PS: Eu não sou muito bom com discursos motivacionais não, mas acho que esse ficou bem legal.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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