"Para um império surgir, um outro tem que cair". Esse foi o bordão de um seriado famoso sobre o império otomano na Netflix. De fato, o império otomano surgiu como potência só depois que derrubou outro império: o Bizantino. Isso aconteceu na metade do século XV, e muita coisa já aconteceu depois disso, como você pode ver a partir dessa série de colunas, começando aqui. Agora estamos no início do século XVII, uma superpotência acaba de cair e outra acaba de surgir.
Quem tinha caído feio era Portugal. Depois de perder seu rei em uma batalha no Marrocos e entrar em crise dinástica, sua marinha foi destroçada no canal da Mancha, literalmente. Em menos de 20 anos Portugal passou de uma superpotência militar e comercial global a uma nação que mal conseguia segurar suas calças para não cair. Mas nas sombras desse vácuo de poder, surgia uma nação à qual ninguém dava a mínima importância até então: a Holanda. Sempre houve um antagonismo crônico entre essas duas nações que fizeram o chão de todos os continentes tremerem, mas elas tinham mais em comum do que gostariam de aceitar. Antes de soltarem suas velas, eram nações pequenas e isoladas do caldeirão europeu; muitos nem lembravam elas que existiam. Os dois povos eram até cristãos. Só que, de certa forma, não adoravam o mesmo Deus. Afinal de contas o Deus dos católicos era o diabo dos protestantes, e vice-versa. Pode perguntar a qualquer católico e protestante da época que eles vão te dizer que era isso aí mesmo.
A partir do século XVII a maior e mais poderosa marinha do mundo não era mais portuguesa e nem espanhola: era holandesa
E aqui as coincidências acabam para um se tornar a cópia descarada do outro: praticamente todo o projeto e empreendimento naval holandês foi copiado diretamente dos portugueses. De acordo com a historiadora americana Patrícia Seed no seu aclamado livro Cerimônias de posse na conquista do Novo Mundo (1492-1640) os holandeses "navegaram no despertar dos portugueses". Nas palavras da autora, "desde a construção dos navios, até mapas, livros de bordo, portos, temporadas de navegação, treinamento dos marinheiros, adotaram os pedágios portugueses conhecidos como 'cartazes', copiaram as fortalezas costeiras e até as táticas de guerras navais". Se os portugueses tinham o Estado da Índia, os holandeses tinham a Companhia Holandesa das Índias Orientais. Ou seja, se já existia um projeto pronto e que era um sucesso, por que os holandeses se dariam ao trabalho de fazer algo novo?
Apesar desses atalhos que facilitaram e muito o “voo” holandês, não podemos deixar de reconhecer uma coisa: eles se empenharam e muito para atingir esse objetivo. Afinal de contas, um povo que poucos anos antes estava sob o controle espanhol e que conseguira se reerguer financeira e militarmente para brigar de igual para igual com os grandes competidores globais, não é para qualquer um. A partir do século XVII a maior e mais poderosa marinha do mundo não era mais portuguesa e nem espanhola: era holandesa. A nível de comparação, o máximo de navios de guerra que Portugal conseguiu despachar em um único ano (em 1512), foi de 112 navios. Nos anos seguintes esse número só caia, e drasticamente. A Holanda já superara esse número em 1625: 114 navios de guerra. E esse número só aumentava nos anos seguintes, atingindo seu auge em 1642 com 143 navios de guerra à disposição dos holandeses, conforme mostra o livro Seapower in Global Politics.
Com todo esse hardware os holandeses partem para Índia, e não pretendem fazer nada de novo lá; não querem criar nada e nem precisavam. Todo o comércio que eles tanto almejavam entre o Oriente e o Ocidente já tinha sido criado e estava funcionando muito bem. Então era só chegar lá e pegar a força; e força, como você já viu, os holandeses tinham de sobra.
Entretanto, o Oceano Índico ainda pertencia àquele velho e cansado lobo do mar. Vendo o estado lastimável em que os portugueses se encontravam, em todos os sentidos, os holandeses tinham certeza de que eles seriam facilmente derrotados: cidade após cidade, porto após porto; Angola, Brasil, etc. Os tugas não conseguiriam resistir àquele maremoto da nova potência naval. Contudo, se os holandeses tinham realmente tanta certeza assim, eles não poderiam estar mais enganados.
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