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Thiago Braga

Thiago Braga

Entender a história da guerra é entender a história dos homens. Uma nova coluna todo domingo.

A “homofobia” na Grécia Antiga

Platão, homofóbico? (Foto: City University of Seattle)

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Reparou que "homofobia" no título está entre aspas, não é? É porque na Grécia Antiga não havia nem o termo homossexual, muito menos homofobia. Mas para aqueles que usam a Grécia Antiga como um farol para o progressismo sexual moderno, muitos gregos famosos da época, se vivessem hoje, estariam condenados às mais profundas trevas do cancelamento.

Como vimos na coluna anterior, quem argumenta a favor de uma prática homossexual generalizada e até incentivada na sociedade ateniense e na Grécia Antiga como um todo cai na simplificação flagrante de tratar a sociedade grega como monolítica ou homogênea, o que é quase um crime em se tratando justamente de Atenas e da complexidade impressionante que aquela cidade sempre mostrou ao mundo grego. Vamos à obra clássica do Prof. David Cohen: Lei, sexualidade e sociedade: A aplicação da moral na Atenas clássica. Durante todo o estudo, principalmente no capítulo "Lei, controle social e a homossexualidade", o professor mostra para nós, citando inclusive o Banquete de Xenofonte, como as leis atenienses eram complexas e protegiam e responsabilizavam os cidadãos de 3 maneiras: “leis contra a prostituição, leis sobre a educação e galanteio, e leis contra ataques sexuais.”

Nessas leis há pontos importantes que nos ajudam a entender melhor a sociedade ateniense. Quero começar com um dos mais distorcidos e menos compreendidos na sociedade ateniense: a suposta prática da pederastia, na qual um homem mais velho cortejava garotos mais jovens. Por ser uma prática erótica entre dois indivíduos do sexo masculino, há quem a atrele à moderna prática da homossexualidade, mesmo que a pederastia seja caracterizada também pela diferença etária.

De acordo com o Prof. Cohen (p. 176), as leis atenienses estabeleciam várias diretrizes e proibições para proteger os garotos em época escolar das investidas eróticas de homens mais velhos. Por exemplo: o contato com adultos deveria ser acompanhado durante o período escolar. Outro exemplo: de acordo com Ésquines, as escolas não podiam abrir antes de o sol nascer, nem ficar abertas após o pôr do sol, justamente para proteger os meninos. E à página 181 o professor mostra que a lei de proteção aos jovens era tão avançada para a época que, mesmo que um menino supostamente tivesse consentido com o relacionamento, o ato poderia ser considerado estupro pelos pais, que poderiam incriminar o adulto pelo ato, e o agressor seria condenado à pena de morte. Os pais estavam sempre atentos a esses ataques porque um filho ser assediado por um adulto poderia causar vergonha à família.

Portanto, o relacionamento entre homens e garotos, os gregos "erastes" e "erômenos", não era uma prática indiscriminada em Atenas, nem generalizada: os garotos não tinham o direito de consentir no relacionamento até atingirem uma certa idade, que de acordo com muitos estudiosos, seria apenas a partir dos 18 anos. O assunto era regulado e controlado de perto tanto pela pólis como pelos pais, que poderiam dar ou não seu consentimento quando a idade certa chegasse; caso contrário, o descuido do Estado ou dos pais poderia trazer grande vergonha para a família e mesmo para o Estado. É errada a ideia de que homens adultos poderiam se envolver livremente com garotos (principalmente na nossa concepção moderna do que é um garoto ou adolescente, que não era a mesma para os gregos) como norma social: novamente, isso era algo restrito pela lei ateniense, podendo ser considerado um crime hediondo passível de pena de morte.

A história social costuma apontar para um distanciamento intencional entre as práticas heterossexuais do povo, com as práticas homossexuais da elite

E agora eu vou mostrar pra vocês um aspecto social que conecta a prática da pederastia com a prática homossexual: elas eram práticas mais comuns na elite ateniense, não entre o povo comum. Para entendermos bem isso, o estudo do Prof. T. K. Hubbard chamado "Percepções populares da homossexualidade da elite na Atenas clássica" critica a simplificação e a confusão criada a partir de Foucault. À página 48 ele diz que a abordagem criada pós-Foucault alega que “é um fato evidente que os homens de Atenas no século V a. C. não eram julgados por escolher se relacionar com outros homens." Mas o professor mostra que, como na maior parte dos “dogmas”, esse também é errado! E realmente a homossexualidade na Grécia Antiga virou um dogma universal que não pode ser questionado hoje. À página 49, o professor mostra que assim como a pederastia, a homossexualidade para os gregos sempre foi algo problemático e muito mais controverso do que parece. Sobre esse elitismo na pederastia, o professor é tão claro que eu quero citar na integra pra vocês aqui: “como é bem sabido, a pederastia ateniense era uma prática social especialmente característica das classes altas – os jovens que tinham tempo e lazer para relaxar nos ginásios observando lindos meninos em toda a glória da natureza, que tinham os recursos financeiros para oferecer-lhes os convencionais presentes de namoro e que possuíam as habilidades intelectuais e sociais necessárias para oferecer uma companhia agradável. Além disso, as evidências literárias e iconográficas sugerem fortemente que eram os meninos da classe alta os objetos preferidos dessa busca: os meninos são frequentemente representados em vasos com liras, acessórios da educação musical e ginástica disponíveis apenas para os mais ricos. A pederastia parece, portanto, ter sido uma instituição fortemente marcada pela classe, da qual os trabalhadores e agricultores de subsistência, a grande maioria da população cidadã, tinham pouca experiência.”

Ou seja, se você, assim como eu, é filho de pobre, dificilmente iria atrair os olhares de um nobre heleno na Antiguidade. E o professor segue mostrando na página 50 que os poetas nas peças populares em Atenas agradavam o público zombando da “preferência sexual elitista”, mostrando a distinção entre o povo comum (que eram eles), e os ricos que (eram os outros). Como exemplo dessa zombaria do povo contra a orientação sexual das elites, o professor cita uma das famosas peças de Aristófanes, A Vespa, escrita em 422 AC. E o professor mostra que o objetivo da peça era agradar as massas. Em outras palavras, zombar e difamar a homossexualidade na Atenas clássica, ou seja, ser homofóbico, era popular! Isso já contradiz diretamente o dogma de que a homossexualidade em Atenas, e por tabela na Grécia Antiga, era algo popular. Durante todo o estudo o professor segue mostrando uma série de outros exemplos de como a pederastia e a homossexualidade eram fenômenos majoritariamente endógenos das elites que era a ínfima minoria da população.

Os deuses gregos chegaram a ser "usados" para validar a preferência sexual de alguns da época. Foi o caso do suposto mito de que Zeus teria se relacionado com o jovem Ganimedes, mito esse criado por Teógnis para defender a naturalidade de seu relacionamento com um jovem menino, como ele próprio admite em seus escritos. Mas Platão (sim, o grande discípulo de Sócrates), não gostou nem um pouco dessa narrativa criada por Teógnis. Assim, Platão escreveu em suas Leis, no verso 636c: “E quer se faça esta observação a sério ou por brincadeira, certamente não se deve deixar de observar que quando o homem se une à mulher para a procriação, o prazer experimentado é considerado devido à natureza; mas é contrário à natureza quando o homem se acasala com homem ou mulher com mulher, e que os primeiros culpados de tais enormidades foram impelidos pela sua escravidão ao prazer. E todos nós acusamos os cretenses de inventarem a história sobre Ganimedes.” Palavras fortes (homofóbicas?) vindas de um homem que supostamente era a favor do relacionamento gay na época. Ora, essa mesma suposição já é uma distorção do amor platônico etéreo, não sexual, que ele deixa claro em seus textos, principalmente no Banquete.

Portanto, essa breve consideração deixa claro que a Grécia Clássica, em especial Atenas, era uma cultura extremamente complexa e heterogênea. Não havia uma unidade cultural grega em virtualmente nenhum aspecto. O simples fato de dizer que a homossexualidade era comum e aceitável para os gregos é uma simplificação flagrante do que era aquele povo. Cada cidade tinha uma visão sobre o homossexualismo; e em Atenas, essa distinção era ainda mais complexa. O legado ateniense é extremamente complicado e cheio de contradições, o que mostra que é um erro afirmar com qualquer certeza o que se passava realmente naquela cidade: na verdade, como a gente viu brevemente nestas duas colunas, a história social costuma apontar para um distanciamento intencional entre as práticas heterossexuais do povo, com as práticas homossexuais da elite.

Na Grécia Antiga havia dois mundos: o da elite e do povo. A gente não pode misturar os dois mundos no mesmo bolo. O comportamento da elite não era o mesmo do povo, e vice e versa. E como a gente viu aqui, até na academia o debate continua: não há consenso sobre esse assunto! E é importante que o público esteja bem ciente disso porque continuam usando e abusando da História para fins políticos e sociais atuais; e a nossa missão, como amantes da História, é protegê-la o máximo possível, de qualquer um dos lados da força.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

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