No meu último artigo, vimos que a fama de melhores guerreiros da Grécia antiga atribuída aos espartanos pode ser compreendida como uma boa retórica ou, como dizem alguns especialistas em Grécia clássica - é o caso do britânico Michael Scott -, nada mais do que pura propaganda. Olhando os registros históricos desde Heródoto até Pausânias no século I, vemos a cidade e sua política sendo mais admirada do que seus guerreiros. Curiosamente, Platão um ateniense nascido na flor da democracia, admirava mais a firmeza e rigidez do regime oligárquico seguido pelos espartanos do que o de sua própria cidade.
Mas vamos deixar a política de lado e voltar para os guerreiros, porque é para isso que estamos aqui. Numa análise profunda das principais batalhas registradas de gregos contra gregos durante o período clássico (tiremos os persas da jogada, pois já perderam demais) vemos que os espartanos ganharam tantas batalhas quanto perderam, em alguns casos perderam até mais, se colocarmos batalhas navais na estatística. Isso fica evidente a partir da famosa Guerra do Peloponeso que durou cerca de 27 anos e que, nas palavras do próprio Tucídides, foi “uma guerra como nenhuma outra”. Realmente, mais gregos morreram nesse confronto sangrento do que em toda guerra contra os persas. Isso porque as duas superpotências gregas estavam nela, lutando entre si: Atenas e Esparta! E se Atenas e Esparta entram em guerra, todo o mundo grego ia entrar também, mesmo que não quisessem.
Lendo Tucídides vemos que aquela guerra despertou o pior dos gregos; até crianças, mulheres e idosos eram mortos sem compaixão. Contudo, havia uma linha que os gregos sabiam que não podiam ultrapassar: trair seus irmãos gregos na luta contra os persas. A invasão persa criou um vínculo nacional como nunca antes. Embora não fossem unidos politicamente em um único Estado, eram unidos culturalmente não só por sua língua, religião e arquitetura, mas por um ideal muito claro pelo qual eles matavam e morriam, a liberdade.
Para ganhar a guerra contra Atenas, entretanto, Esparta estava disposta a cruzar essa linha, custasse o que custasse. E foi exatamente isso que ela fez nos últimos anos da guerra.
Mas aquela afronta e traição de Esparta contra os próprios gregos revoltou o mundo helênico, inclusive seus próprios aliados. Ninguém suportava mais Esparta.
Não esqueçamos do fato de que foi Esparta quem começou a guerra do Peloponeso. Vemos isso já no primeiro livro de Tucídides. Segundo o autor, Esparta tinha medo dos atenienses e instigados por seus aliados como Corinto, resolveu invadir a Ática em 431 A.C. Nada conseguiram, pois os atenienses sob seu grande líder Péricles, haviam construído uma muralha intransponível. Essa foi uma estratégia brilhante pois Péricles sabia que ele não enfrentaria apenas Esparta; enfrentaria Esparta e todos os seus poderosos aliados da Liga do Peloponeso, como Corinto e Tebas, enquanto os atenienses em sua recém-criada Liga de Delos tinham ao seu dispor apenas estados tributários com pouca experiência e relevância militar. Os atenienses não tinham como lutar contra os espartanos e seus aliados em terra, assim como os espartanos e seus aliados não tinham como enfrentar Atenas no mar. E assim os atenienses permaneceram seguros atrás das suas muralhas por 3 anos, até que uma peste (talvez o Tifo ou febre Tifoide) matou mais de 1/3 dos atenienses.
Mesmo assim os espartanos não conseguiam derrotar os atenienses e a guerra se arrastava terrivelmente, até que aqueles resolvem pedir ajuda à Pérsia para vencerem a guerra de uma vez por todas com ajuda do seu valioso ouro. E assim aconteceu cerca de 27 anos depois do início da guerra. Nas palavras do professor Victor Davis Hanson em seu livro “A War Like no Other” os Atenienses provaram que podiam vencer os espartanos, os coríntios, os tebanos e os persas individualmente, mas juntos era uma missão impossível. Seja como for, Esparta entregou as cidades gregas aos persas como prometido nos Tratados de 413 e 412 A.C. concordando com os termos de que "quem quer que atacasse aquelas cidades da Jônia seria considerado inimigo do Rei (persa) e dos espartanos em conjunto". Os persas foram a chave da vitória dos espartanos, mas aquela afronta e traição de Esparta contra os próprios gregos revoltou o mundo helênico, inclusive seus próprios aliados. Ninguém suportava mais Esparta.
O escritor Diodoro de Sículo nos conta que poucos anos depois Tebas rompe com Esparta que, por sua vez, manda uma força de mais de 1000 hoplitas lidar com essa afronta tebana à força. Na Batalha de Tegira em 375 A.C., os tebanos foram liderados por um general pouco conhecido hoje, mas brilhante, Pelópidas. Com apenas 300 hoplitas ele consegue uma vitória decisiva contra os espartanos, expulsando-os de suas terras. Os espartanos, então, passaram a querer vingança por aquela humilhação, e quatro anos depois eles voltam. De novo, dão de cara com Pelópidas, mas agora ele seria a menor das preocupações dos espartanos ali, pois à frente do exército tebano estava um dos maiores generais da antiguidade clássica, um homem conhecido como Epaminondas. Na Batalha de Leuctra em 371 A.C. houve um choque colossal de hoplitas: 10 mil espartanos contra 6 mil tebanos. Era a batalha do tudo ou nada.
Os tebanos desenvolveram uma nova forma de organizar sua falange, conhecida como falange oblíqua, que consistia em aprofundar a falange esquerda em 50 linhas de profundidade, enquanto o centro e a ala direita eram mais frágeis, porém, bem coordenadas e organizadas. Dessa forma a falange tradicional espartana, de séculos de tradição (engessada e já antiquada para a arte da guerra grega), não consegue resistir. Os espartanos viram quem eram os maiores guerreiros da Grécia Antiga: a banda sagrada de Tebas. Em choque, os espartanos veem os tebanos aniquilando seu exército pelos flancos. De acordo com Diodoro, 4 mil espartanos são mortos na batalha, enquanto os tebanos perdem apenas 300. Esparta entra em colapso depois dessa batalha.
Os espartanos nunca mais tiveram qualquer protagonismo ou relevância no mundo grego, sendo chamados até mesmo de “ratos” por Alexandre
Mas a maior humilhação de Esparta ainda estava por vir, e viria parcelada em duas vezes. A primeira aconteceu logo após a batalha. Os exércitos tinham o costume de coletar e enterrar os corpos de seus parceiros. Quando os espartanos pediram tal permissão a Epaminondas, contudo, ele negou. Os corpos dos espartanos deveriam continuar no campo de batalha por uma semana. O escritor Pausânias nos explica o porquê disso em sua obra Descrição da Grécia: os espartanos eram conhecidos por ocultar suas derrotas, e foram os primeiros da Grécia a praticar o “crime” (entre aspas mesmo, pois são palavras do próprio Pausânias) de “comprar vitórias”, subornando exércitos inimigos. Portanto, o mundo grego deveria ver com seus próprios olhos os espartanos mortos e humilhados no chão de Leuctra.
No entanto, o mundo grego testemunhou algo ainda mais chocante: Epaminondas marcha com sua banda sagrada em direção a Esparta e os espartanos paralisados apenas observam passivamente os tebanos entrarem em sua cidade e libertarem dezenas de milhares de hilotas, o povo escravizado que era a base da sociedade espartana e que fazia o trabalho duro para a elite espartana se concentrar nos seus próprios interesses. Agora que eram finalmente livres, os messênios voltaram para sua antiga terra e Epaminondas cria uma cidade que ficaria sob o protetorado dele: Magalópolis.
Não é exagero dizer que Tebas foi a verdadeira defensora da liberdade dos gregos, e sua hegemonia foi a mais harmoniosa de todo o período clássico. Epaminondas tirou de Esparta sua capacidade de ser Esparta novamente. De fato, os espartanos nunca mais tiveram qualquer protagonismo ou relevância no mundo grego, sendo chamados até mesmo de “ratos” por Alexandre enquanto estava em campanha na Ásia. Nenhuma outra cidade-estado grega em toda sua história foi tão temida e humilhada ao mesmo tempo.
O que sobrou de Esparta mesmo foi a mitologia, a propaganda que passou pelos romanos, e chegou até nós, hoje. É uma boa estória, precisamos admitir, e pessoas gostam de ouvir boas estórias. Os romanos nunca viram os espartanos lutando, pois eles nem sequer apareceram nas batalhas mais importantes contra os romanos. Deixaram os coríntios e os atenienses levarem o fumo sozinhos. Mas romanos gostavam de estórias gregas e copiaram um monte delas. Ainda bem. Imagine quantas academias e coaches motivacionais deixariam de lucrar só por usar o termo “espartano” nas peças de marketing. É como dizem mesmo: a propaganda é a alma do negócio.
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