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Um “típico” berserker representado no filme “O homem do Norte”
Um “típico” berserker representado no filme “O homem do Norte”| Foto: Filme "O Homem do Norte"

Os vikings são uma febre mundial! Até aqui no Brasil, que nada temos de qualquer coisa de vikings, os homens do norte estão em alta! Aliás, já existe até um termo pra representar um brasileiro que admira a cultura viking acima do saudável: tupiniviking. Duvida? Vá no Google aí e pesquise que você vai se surpreender! Essa influência que a cultura nórdica tem na cabeça de muitas pessoas me fez até escrever outro artigo aqui na Gazeta onde tento explicar esse "fenômeno".

E falando em fenômeno, nada pode ser tão viking quanto a fúria animal que tomava conta dos corpos dos guerreiros em campo de batalha; e eles ganharam até um nome especial: berserkers! Até o Wolverine tem um golpe chamado fúria berserker. "Ser berserker e ser viking é praticamente a mesma coisa": pode perguntar a qualquer fã de viking metal ou jogador de RPG Dungeons & Dragons que eles vão dizer para você que era isso aí mesmo. Irônico é ler isso vindo de um cara que ouvia metal e jogava RPG na adolescência, como eu.

No entanto, quando a gente estuda a história muita coisa que achávamos ser verdade, não passa de mito. E quando eu digo mito aqui encare como um eufemismo flagrante para mentira. É porque uma das definições de "mito" no dicionário é "ideia falsa, sem correspondente na realidade". E poucas culturas foram tão fundadas sobre mitos quanto os povos nórdicos; e os nossos guerreiros animais são quase tão mitológicos quanto Odin e seu cavalo de 8 patas. O que muda entre eles é que é fácil dizer que cavalos de 8 patas não existem, mas no caso dos berserkers é preciso fazer um estudo bem mais profundo, interdisciplinar e diacrônico. E nesse caso, veremos que o berserker fica de recuperação na prova de realidade.

O primeiro problema já surge na própria etimologia da palavra. Os especialistas até hoje não chegaram a um consenso do que berserker realmente quer dizer: "sem camisa" ou “roupa de urso". Isso coloca em xeque a própria essência do berserker. Seriam guerreiros animais com ou sem pele de animais? Outras fontes sugerem que eles fossem apenas guardas dos reis e jarls, soldados de elite que nada tem a ver com guerreiros alucinados sem controle. Aliás, pensando do ponto de vista estratégico, que benefício um exército teria com guerreiros descontrolados partindo como loucos para cima de seus inimigos, sem formação e nem tática colocando em risco o sucesso da campanha? Dificilmente líderes seriam tão burros em confiar suas campanhas a homens assim, em qualquer tempo.

Guerreiros valentes com peles de animais é algo relativamente comum na história, o que não é comum é o guerreiro uivar como um lobo fazendo rituais "de quatro" enquanto late para a lua.

Então, se a própria terminologia e semântica da palavra já é problemática, o homem por trás dela é ainda mais obscuro de se compreender diante das lentes da história, e isso acontece por culpa de quem escreveu a história. Ou deixou de escrevê-la. Isso porque os homens do norte nunca foram muito bons de escrever coisas, muito menos sobre eles: os poucos registros que temos são as runas escavadas em pedras ou madeira que falam mais sobre os deuses e seus mitos do que sobre eles próprios. Então a missão de escrever sobre os vikings, e nesse caso, os berserkers recaiu sobre estrangeiros conhecidos como católicos. E pode-se imaginar que católicos medievais seriam bem objetivos em seus escritos sobre povos pagãos adoradores do diabo, certo? Errado! Mas não vamos julgar: isso é esperado e até natural vindo das mentes de mais de mil anos atrás. E o maior responsável em escrever sobre os vikings foi um cristão islandês chamado Snorri Sturlusson nas suas famosas sagas que nada mais são do que as estórias dos povos nórdicos. E é graças a ele que temos os maiores detalhes sobre os berserkers na sua lendária compilação de estórias conhecida como Edda.

Ele nos conta na Ynglinga saga que os berserkers tinham uma fúria descontrolada e que “nem aço e nem fogo eram capazes de feri-los”. Em outra saga conhecida como Poesia dos Escaldos ele nos conta que eles ‘pulavam em fogueiras e não se queimavam’. Tenho certeza de que esses relatos já seriam suficientes para o leitor concluir que estamos diante de uma fábula das grandes. Mas alguns talvez argumentem que essas partes do “aço e fogo” são meros exageros literários para mostrar o poder e agressividade dos guerreiros e que eles existiam sim. Aliás (podem argumentar), há relatos romanos de proto-berserkers, como os celtas, mas se compararmos as descrições não vemos nenhum relato de guerreiros loucos e descontrolados, apenas usando peles de lobos ou ursos. Mesmo assim, não há nada de exclusivo nisso. O próprio Héracles da velha Grécia é retratado vestindo pele animal, embora ele nunca se comportasse como animal de fato. Então guerreiros valentes com peles de animais é algo relativamente comum ao longo da história, o que não é comum é o guerreiro uivar como um lobo fazendo rituais "de quatro" enquanto late para a lua, como descrevem algumas sagas nórdicas.

Com base nessas descrições que parecem vir de filmes da Disney, o próprio Snorri é realista e nos diz no capítulo 8 da mesma Poesia dos Escaldos sua visão sobre essas estórias: ‘os cristãos não devem acreditar na veracidade dessas sagas.’ Parece chocante um escritor querer que os leitores desacreditem seus escritos, mas tudo fica claro quando lembramos quem era o público-alvo de Snorri: cristãos medievais. E já aqui damos de cara com dois novos problemas: as sagas foram escritas no século XIII, 200 anos depois dos vikings terem desaparecido do mapa e terem trocado Odin por Jesus. Ou seja, as sagas são obras feitas por cristãos, para cristãos, escritas duzentos anos depois da época, com um objetivo de desacreditar e paganizar ainda mais uma cultura pagã já desacreditada.

Se até hoje elementos básicos do que seria um berserker (como o próprio significado do termo) permanecem obscuros, muito menos evidências sólidas há de que eles existiram realmente. Na melhor das hipóteses, pode-se dizer que não há como comprovar a realidade, com a velha, mas segura expressão “não sabemos”. Por outro lado, se os relatos descritos não são objetivos (todos paranormais, na verdade) nem feitos por testemunhas oculares de seu período, e nem confirmados pela arqueologia e outras ciências, uma conclusão parece óbvia: os berserkers não passam de lendas e contos fantásticos e mitológicos colocados nas mesmas páginas de homens matadores de dragões. São homens que existiram na literatura e criados para o entretenimento de sua época. E, pelo visto, para a nossa também.

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