De repente era 2006; e de repente um monte de gente queria ser espartano! De lá pra cá apareceram tatuagens, academias, coletes a prova de bala, coaches motivacionais na internet. Tudo isso por causa de um filme lançado naquele ano: 300! O mundo viu e ouviu Esparta. 300 mostrou ao mundo quem eram os melhores e mais corajosos guerreiros da história ocidental, certo? Errado!
Os filmes costumam mexer com a nossa percepção de realidade mesmo; uns mais, outros menos; mas sempre mexem. Não é uma indústria bilionária à toa, estando entre as maiores do mundo. E até hoje 300 ecoa no imaginário popular como uma exposição flagrante dos verdadeiros machos-alfa, dignos de serem imitados. Faróis do homem tradicional em extinção! Mas tem um pequeno problema nisso aí: pegar como exemplo homens que viveram há mais de 2.500 anos atrás, pode não ser uma boa ideia. Porque quase sempre a realidade tende a ser decepcionante, e decepcionantes os espartanos foram.
É porque no caso deles a impressão que muitos têm (e muitos em sua época a tinham também) é que os espartanos eram os melhores guerreiros da Grécia, indestrutíveis no campo de batalha. Só que quando colocamos essas afirmações à prova, a miragem espartana cai por terra e os melhores guerreiros se tornam tão bons de briga quanto quaisquer outros bons de briga da Grécia Antiga. Essa miragem foi criada por uma velha estratégia conhecida por nós e que funcionou e ainda funciona muito bem até hoje: propaganda.
Essa atitude ousada de Esparta causou espanto no mundo grego.
Foi o seguinte: a partir do século VI A.C. os espartanos empreenderam duas vitórias que mudariam sua história e a forma como os gregos os encaravam: a primeira foi contra os messênios, um povo vizinho à Esparta que habitava a região da Messênia (não confundir com Micênas, do lendário rei Agamenon da Guerra de Troia). Após uma série de guerras, eles conseguiram subjugar virtualmente toda a população ali, escravizando-a completamente, nas palavras do próprio Tucídides na sua Guerra do Peloponeso. Alguns historiadores dizem que 200 mil pessoas teriam sido escravizadas após essa conquista e sob o domínio espartano passaram a ser conhecidos como hilotas. Parece algo simples, afinal conquistar outros povos fazia parte de todas as culturas, antes e depois dos gregos. Mas o que mudou nesse caso específico é que os messênios eram gregos, tanto quanto os espartanos. E na Grécia antiga, povos gregos não escravizavam outros povos gregos. Essa atitude ousada de Esparta causou espanto no mundo grego: de repente eles viam os espartanos como dominadores de 1/3 do Peloponeso, região onde moravam.
A segunda vitória decisiva de Esparta se deu ainda no século VI A.C., dessa vez contra povos vizinhos, ao norte deles: os tegeatas. Agora, Esparta dominava 2/3 do Peloponeso, e isso era muito para qualquer padrão grego de qualquer cidade-estado grega. E com toda essa moral, Esparta propõe uma aliança com outras cidades gregas pra se protegeram mutuamente contra outras cidades gregas: a Liga do Peloponeso. Cidades do Peloponeso, e até fora dela - é o caso Tebas, aceitam o “convite” - como se tivessem muita escolha depois do alarme das conquistas recentes dos espartanos ecoando no mundo grego. Esparta tinha provado que conquistaria quem ela quisesse na base da espada, e esse sentimento se espalhou pelo mundo grego: alguns poetas e escritores como Simonides cantavam as façanhas militares espartanas, e outros eram “contratados” para isso, como Xenofonte.
Contudo, um fator inesperado colocou em risco essa reputação espartana: a Pérsia. Já nos primeiros embates, os espartanos não estavam muito desejosos de lutar contra os bárbaros. Um exemplo claro disso foi a lendária Batalha de Maratona, em 490 A.C., onde os atenienses derrotaram os persas, mostrando ao mundo antigo que os persas podiam ser derrotados. Os espartanos disseram que estavam em um festival religioso e não podiam ajudar. Os persas invadem de novo, 10 anos depois, e de novo os espartanos estão em um festival religioso. Coincidência, não é? No entanto, o rei Leônidas escolhe 300 dos seus melhores guerreiros e mesmo assim vai a batalha. O resto você já sabe. Mas, espere aí. Se eles estavam no mesmo festival religioso que os impediu de lutar 10 anos antes, por que foram para as Termópilas? Podiam ter mandado pelo menos 300 para Maratona também, não é? Certamente, só que dessa vez consideraram que se não fossem de novo, ia pegar muito mal para “os maiores guerreiros da Grécia”.
Epaminondas, não só acabou com os espartanos, mas os humilhou como nunca na história de qualquer cidade importante da Grécia antiga
Enfim, os espartanos entraram na briga contra os persas. Pelo menos é o que os gregos achavam, pois a verdade é que os espartanos não estavam muito animados com isso, não. Sabemos disso porque Heródoto, o pai da história, nos conta no livro IX da sua História que os espartanos “temiam” os persas. Aliás, era o próprio Pausânias, famoso rei espartano, quem não queria enfrentar esse inimigo do oriente. Heródoto nos conta que ele pediu para os atenienses lutarem contra os persas ao invés dos espartanos; e repetidas vezes eles fogem da luta contra os persas, sendo chamados de covardes por seus aliados, e pelos próprios generais persas, como Mardônio. Aliás, que problema há de soldados terem medo? Eu mesmo insisto em dizer nos meus vídeos do Brasão de Armas que guerra é e era uma desgraça, portanto, o medo é mais do que esperado. O problema não está nos espartanos e seu medo, mas na aura quase mitológica que colocaram sobre eles, que nem eles deviam saber que tinham.
Tudo indica que os espartanos eram sim os guerreiros mais treinados e que mais valorizavam o militarismo de toda a Grécia Antiga, mas no campo de batalha o medo falava mais alto que a coragem, em várias ocasiões, e não só contra os persas, mas contra os próprios gregos também, provando que os espartanos não tinham nada de super-homens. Eles ganharam e perderam tantas batalhas quanto várias outras cidades gregas. Foram derrotados por uma infantaria leve ateniense nas Batalhas de Pilos e Esfactéria, ambas na grandiosa Guerra do Peloponeso. Derrota faz parte da guerra: mas o que chocou o mundo grego (novamente nas palavras de Tucídides), é o fato de que cerca de 200 spartiates (a elite guerreira espartana) fugiu da luta, e quando se viram encurralados pelos atenienses eles se renderam para não serem mortos. Isso me faz lembrar do grito de guerra “espartanos nunca recuam, espartanos nunca se rendem.” Nunca diga nunca!
Para encerrar, enfatizo que essa não foi nem a pior fase de Esparta. Houve ainda a famosa Batalha de Leuctra, em 371, quando Tebas, liderada por Epaminondas, não só acabou com os espartanos, mas os humilhou como nunca na história de qualquer cidade importante da Grécia antiga. Na prática, a cidade de Esparta provou uma potência militar tão eficiente assim; e seu código de moral, justiça e coragem estava longe de ser o que muita gente pensa que era, gerando admiração até hoje. Guerreiros valentes? Guerreiros invencíveis? Guerreiros corajosos e justos? Epaminondas mostraria ao mundo grego que a propaganda espartana não resistiria a lâmina de sua espada.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião