Como português, filho e neto (e todas as gerações anteriores, até onde eu sei) de portugueses, não vou dizer que foi fácil ver Portugal sendo eliminado pelo Marrocos na Copa. É apenas um esporte, eu sei, e apesar de me considerar bem equilibrado nesse sentido, é natural que os portugueses tenham ficado tristes com o resultado. Agora, essa derrota não foi nada perto de um outro confronto entre portugueses e marroquinos que não deixou apenas um sentimento de tristeza em Portugal, mas causou a destruição militar e econômica completa da nação.
Estamos falando do século XVI, e se você acompanha minhas colunas aqui na Gazeta já deve ter visto alguns dos meus artigos falando sobre como Portugal se elevou ao status de superpotência marítima mundial, principalmente depois de uma batalha que destruiu o mundo muçulmano e garantiu o controle global do comércio das especiarias: a Batalha de Diu, em 1509. Algumas décadas se passaram e os portugueses foram consolidando cada vez mais territórios através da violência, como era o padrão de qualquer povo e nação da época. No mesmo século os japoneses invadiam a Coreia e cometiam atos terríveis lá; africanos faziam guerras com nações vizinhas para vender escravos aos europeus; e os portugueses e espanhóis metiam bala na cara de quem desafiasse seu poder. Diplomacia era uma palavra estranha e desconhecida por quase todo mundo.
Se tinha um povo que podia se gabar de dizer que Jesus estava do seu lado nas batalhas, eram os portugueses.
Até 1570 Portugal estava rindo à toa; nada, nem ninguém parecia capaz de tomar os oceanos das mãos dele. Mas um rei português queria mais, muito mais. Dom Sebastião era uma espécie de Dom Quixote Português: vivia lendo e estudando os bravos atos dos cavaleiros medievais, principalmente os cruzados e sua luta contra o mouro infiel na Terra Santa. E como Dom Quixote ele queria ir à caça de aventuras também, e em 1578 a aventura veio até ele. Uma guerra civil estoura no Marrocos e um dos ascendentes ao trono, Mulei Maomé, vai até Portugal pedir ajudar de Sebastião para derrotar seu sobrinho, Mulei Maluco, também reclamante do trono marroquino. Dom Sebastião não deve ter acreditado na oportunidade que surgia à sua frente: derrotar o infiel pagão que estava à porta e ainda ter um reino vassalo convertido ao cristianismo como aliado.
Por isso ele não pensa duas vezes: reúne a nobreza portuguesa, a nata da cavalaria lusitana; 12 mil homens partem com seu rei para o Marrocos. Com o apoio dos mouros aliados, espanhóis e mercenários o exército europeu chegava a 23 mil homens. Só que do outro lado estava o exército do Maluco: 40 mil homens. Quase o dobro. Ainda assim, os portugueses tinham a seu favor o fato de já derrotarem espanhóis, venezianos, mamelucos, otomanos, indianos em números muito maiores antes, por que não poderiam fazer de novo? Então, se tinha um povo que podia se gabar de dizer que Jesus estava do seu lado nas batalhas, eram os portugueses. Foi assim que os portugueses partiram para o ataque no dia 4 de agosto de 1578.
Os portugueses pareciam levar vantagem tática: adotaram o quadrado espanhol, com piques e infantaria pesada nos flancos que repeliam e matavam os mouros aos montes. Nas primeiros minutos da batalha os portugueses conseguem quebrar a linha moura que recua. Numa guerra normal os portugueses teriam ficado juntos, mantendo formação e aguardando a movimentação inimiga para tomar uma decisão acertada. Mas guerra religiosa geralmente não é normal: quem liga para estratégia se os anjos de Cristo vão à frente matando todo mundo? E tinha a maldita glória de matar mouros que te deixava mais famoso do que ganhar uma Bola de Ouro.
Parece que foi isso mesmo que os portugueses pensaram porque assim que os mouros recuam, milhares de cavaleiros portugueses partem a galope atrás dos inimigos. A partir daquele momento, os portugueses devem ter visto demônios indo na sua direção porque uma desgraça inimaginável desceu sobre eles. Milhares de cavaleiros mouros esperavam numa emboscada em uma colina elevada e oculta: eles flanqueiam os tugas que não conseguem resistir ao ataque surpresa. Com esse avanço precipitado português, o quadrado estava quebrado e desorganizado. A cavalaria moura com sua esmagadora superioridade numérica termina de quebrar a formação portuguesa avançando pelo buraco que foi deixado aberto. A carnificina é generalizada. Horas depois, 9 mil europeus e aliados estão mortos e 16 mil são capturados.
Quantias enormes são exigidas pelos cavaleiros capturados levando Portugal a falência econômica e militar completa. E aí você me pergunta: “Mas Thiago, o que aconteceu com o rei Dom Sebastião”? E eu te respondo: não sei. Na verdade, ninguém sabe. Alguns dizem que ele morreu; outros dizem que ele largou sua armadura por lá e desapareceu. Mas, estivesse onde ele estivesse, o fato é que ele nunca mais deu as caras em Portugal de novo. Agora, Portugal estava quebrado, falido e sem rei. Mas se a situação de Portugal ficou ruim, não tema. Ela ia ficar muito pior.
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