“O fascismo é a válvula de escape do capitalismo” ou “o fascismo é o agente do capitalismo.” Quantas vezes você já viu e ouviu professores, políticos, influenciadores e pessoas comuns dizendo isso? É o tipo de senso comum tão velho que as pessoas só repetem e não problematizam o porquê dessas afirmações e nem de onde elas vêm. Mas agora você vai entender direitinho que esse negócio é velho e não foi atualizado pela última vez na Guerra Fria.
Então vamos começar logo metendo o dedo na cara de alguns dos culpados por essa bagunça metodológica aqui. O professor Roger Griffin na sua obra A Natureza do Fascismo, talvez a obra mais citada sobre o assunto das últimas décadas, já começa seu livro mandando a real aqui na p. 2: “Historicamente, se não moralmente, parte da culpa pela erosão do valor do léxico do fascismo deve ser colocado na porta dos teóricos marxistas. Em novembro de 1922, poucas semanas depois da Marcha de Mussolini sobre Roma, o Quarto Congresso da Internacional Comunista realizada em Moscou discutiu como o fascismo deveria ser explicado dentro de uma perspectiva marxista-leninista.” E aí o professor segue mostrando como essa interpretação marxista foi se espalhando até se tornar um termo usado “indiscriminadamente” por essa definição.
Como sempre, comunistas atrapalhando a compreensão histórica de eventos importantes por causa de sua leitura marxista maluca. Mas calma que o professor Griffin agora vai mostrar pra gente a frase que se tornou quase uma reza comunista quando o assunto é o fascismo e que, de tanto repetirem isso, acabou grudando igual chiclete velho na mente de todo mundo; olha aqui na p. 3: “Eles, portanto, continuaram a realizar as suas análises alinhadas em grande medida com a afirmação de Dimitroff no Sétimo Congresso do Comintern em 1935 que caracterizou o fascismo como “a ditadura terrorista mais aberta, dos mais reacionários, mais chauvinistas e dos elementos mais imperialistas do capital financeiro”.
Peter Temin começa mostrando na primeira página do seu artigo como mesmo uma análise superficial pode perceber a reverberação entre o plano quinquenal soviético e o plano quadrienal nazista
Essa “oração” aqui resume praticamente todo o mantra comunista sobre o fascismo e mostra a fonte de todos os mitos que vocês vão ver a partir desta coluna. Então agora que a gente entendeu onde começou a confusão no estudo do fascismo, e por que tanta gente fala tanta besteira por aí, vamos para outra referência no assunto, o professor Stanley Payne no seu clássico A história do fascismo para gente entender melhor ainda essa falácia primordial do fascismo como agente do capitalismo. Na p. 168, no capítulo “Nacional Socialismo Alemão”, o professor Payne explica uns detalhes bem interessantes sobre a “ajuda” que Hitler teve dos burgueses capitalistas para chegar ao poder: “Tal como Mussolini durante 1921-22, Hitler trabalhou durante 1931-32 para estabelecer laços com setores influentes da sociedade, cooperando parte do tempo com a direita e tentando tranquilizar os empresários de que eles não tinham motivos para estar apreensivos com o 'socialismo' nazista. No entanto, apesar da massiva propaganda esquerdista de que Hitler era o agente pago do capitalismo, Hitler obteve apenas recursos financeiros limitados de grandes empresas. Embora houvesse um apoio considerável a Hitler entre os pequenos industriais, a maioria dos setores das grandes empresas iam consistentemente contra permitir que ele formasse um governo. O Partido Nazista foi principalmente financiado pelos seus próprios membros.” Parece que os burgueses capitalistas não estavam querendo que Hitler salvasse eles não, hein?
Agora na p. 190 o professor Payne concorda com o professor Griffin sobre essa bagunça marxista em forçar a ideia de que o fascismo era o agente do capitalismo, olha com ele não deixa dúvidas aqui: “Muito foi feito por comentaristas marxistas, durante a década de 1930 e por quase meio século depois, sobre a alegada dominação capitalista da economia alemã sob o nacional-socialismo, quando a verdade da questão era mais praticamente o OPOSTO. É importante distinguir entre benefícios contingentes que os capitalistas desfrutaram por causa do domínio nazista e da verdadeira identidade de interesses entre a indústria e o regime nazista.”
E ainda sobre esse lance das privatizações de Hitler eu recomendo muito pra vocês um artigo seminal do professor Peter Temin publicado pela revista Economic History Review (Revisão da História Econômica) chamado “Planos econômicos nazi e soviéticos dos anos 30”, no qual ele faz um estudo comparativo entre as políticas econômicas da Alemanha Nazista e a União Soviética e como os dois regimes têm tantas características em comum, ao ponto de o professor deixar claro que os “Nacionais socialistas alemães eram socialistas em prática e no nome também.” Ele já começa mostrando na primeira página do seu artigo “como mesmo uma análise superficial pode perceber a reverberação entre o plano quinquenal soviético e o plano quadrienal nazista.”
Concluindo, dizer em pleno 2023 que o fascismo é o agente do capitalismo, como se fosse uma criação deste, é uma análise simplista e desatualizada que vai de encontro com a maior parte dos estudos especializados no assunto que já ganham força e relevância desde os anos 90. Mas aí você me pergunta: “Thiago, se o fascismo não é um agente do capitalismo, o fascismo também pode ser considerado de direita?” Excelente pergunta...
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