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Era 2018 quando um trailer de um seriado da Netflix chamou minha atenção e me deixou empolgado. Era Troia: a Queda de Uma Cidade. Imagino que qualquer professor de literatura e estudioso em história militar como eu deve ter se interessado. Aliás, o mesmo deve ter acontecido com qualquer amante de literatura e história. Prestei atenção em cada detalhe do trailer tentando ver quem seriam os personagens e seu papel no filme. De repente, vi dois atores negros recebendo grande destaque. Aí pensei: que legal, um deles deve ser o grande guerreiro africano Memnon que Homero cita nos versos de sua imortal Ilíada como sendo capaz de fazer o indestrutível herói Aquiles sangrar.
A série estreia e já no primeiro episódio descubro quem eram as figuras representadas pelos dois atores negros: o guerreiro que achei ser o grande Memnon na verdade era... Aquiles! Sim, o mesmo guerreiro que Homero descreve na Ilíada, no livro I, verso 197 da seguinte forma: “Atena... Por trás de Aquiles postando-se, os louros cabelos lhe agarra”, e aqui já aproveito para prestar minha homenagem a tradução do magnífico Carlos Alberto Nunes, a melhor em Língua Portuguesa em minha humilde opinião. Para ficar ainda mais claro, no grego original usa-se a palavra “xanthē" (ξανθή) que pode ser traduzido como louro (loiro, igualmente aceitável), claro ou amarelo, dourado ou avermelhado.
Ora, apenas esse verso já seria suficiente para deixar claro os traços étnicos e genéticos de Aquiles, mas durante todo seu poema Homero repete a expressão “xanthē" várias vezes. Além disso, Aquiles é grego, filho de gregos. Tendo ele existido realmente ou não, o herói foi pensado e imaginado dentro do mundo grego. Mas o seriado nos apresenta um Aquiles completamente careca e com um tom de pele negro subsaariano, que poderia interpretar qualquer herói somaliano ou nigeriano tranquilamente. Mas na série Troia Aquiles é negro; e se Aquiles pode ser negro, por que Zeus não poderia ser também?
Os produtores do seriado devem ter pensado exatamente isso quando chamaram Hakeem Kae-Kazim para interpretar o “Rei dos Deuses”. Um excelente ator, diga-se de passagem, mas um péssimo Zeus; um excelente ator para interpretar algum ser da mitologia africana, mas um péssimo ator para representar um ser da mitologia europeia. A sensação que tive ao assistir o primeiro episódio foi de terem colocado algum deus africano ali; até a vestimenta e adereços usados por ele lembram os usados por povos africanos.
Mas alguém pode argumentar: “eles são mitos, podem ter a aparência que quiserem.” E essa seria uma argumentação bem besta, diga-se de passagem. Podem tentar buscar qualquer trecho obscuro em qualquer escrito de qualquer época grega para tentar justificar alguma possibilidade de um “Zeus negro”. Mas nas pinturas, afrescos e principalmente estátuas de qualquer período da história grega onde os deuses são representados, não vemos nenhuma que tenha aparência africana, ou de qualquer outra etnia. Quando vemos os relatos e artes da época vemos os deuses como os gregos viam; com características físicas tipicamente europeias. Não estamos falando de deuses criados por uma cultura multiétnica. Os períodos gregos que conhecemos por Micênico e Arcaico, nos quais boa parte dessas lendas e mitos se cristalizaram, não eram compostos por múltiplas etnias e povos oriundos de outros continentes, como é o nosso mundo hoje. Naquela época, os povos e culturas estavam isolados em seu próprio mundo, na sua maior parte, e a Europa mais ainda. E foi nesse contexto que eles criaram seu mundo sobrenatural de deuses e heróis.
A sensação que tive ao assistir o primeiro episódio foi de terem colocado algum deus africano ali; até a vestimenta e adereços usados por ele lembram os usados por povos africanos.
Mas me impressiona muito que em pleno século XXI tenhamos que falar obviedades como essas. Estamos falando em preservar legados culturais importantes que foram frutos de seu próprio espaço-tempo, e a indústria do entretenimento tem descartado essa riqueza cultural de povos em nome da inclusão racial. É como se em cada filme, série e jogo eles tivessem um checklist de “minorias” que devem ser incluídas para agradar pautas políticas identitárias. Nada mais que isso. Simplesmente as colocam para receber aplausos da mídia e sinalizar virtude perante a massa pirracenta. Claro, imagina se eles colocassem apenas brancos para representarem os nórdicos vikings? Aliás, fizeram isso mesmo na série Vikings e foram chamados de racistas. Agora, teria algum problema se colocassem apenas negros em uma série para representar os valentes guerreiros etíopes? Qualquer pessoa em sã consciência diria que não. Seria uma representação honesta de uma grande cultura de um grande povo. Mas no caso de obras sobre a cultura europeia, essa preocupação não existe: se não tem negros inseridos ali, independentemente do contexto e da época em que se passe, é racismo.
Honestamente, será que algum africano que tenha lido e apreciado a Odisseia ou Ilíada, sabendo da origem europeia da obra, teria imaginado Odisseu ou Aquiles de pele negra, assim como imaginaria em um conto sobre os grandes guerreiros zulus? A maior parte do público tem bom senso e não se deixa levar por essas asneiras políticas. Querem ver suas obras preferidas respeitadas nas telas; não querem ter a sensação de que estão enfiando pautas identitárias goela abaixo do público. É por isso que Troia e Anéis do Poder são ótimos exemplos de como políticas identitárias em filmes, séries e jogos são um péssimo negócio e não tem futuro: essas produções foram tragédias de aceitação do público e talvez nunca terão continuação. Ainda bem! E bem-feito!
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima