Ouça este conteúdo
Não faço ideia de como começou esse negócio, mas quando tento lembrar a primeira vez que vi alguém tirando uma espada das costas imediatamente lembro do nosso bom e velho Adam, carinhosamente conhecido como He-Man. Depois veio o Conan (ou será que veio antes?), outra lenda com a bendita espada nas costas. Lembro até do Mel Gibson, em Coração Valente, também sacando uma espada longa das costas enquanto corria em direção ao exército inimigo - um feito e tanto para um ser humano, vamos admitir. Depois veio o Geralt, de Rivia, e agora a série Anéis do Poder com a Galadriel andando para cima e para baixo, nervosa, com uma espadona nas costas.
De repente, espada nas costas virou uma coisa normal e um estilo tipicamente medieval de se usar espada. Ficamos com a impressão de que se alguém tinha uma espada, ela tinha que estar nas costas. É bonito, estiloso e se você viu isso num filme de Hollywood ou uma série da Netflix deve ser historicamente correto, certo? Errado!
Se você vivesse na Idade Média e andasse com uma espada pendurada atrás de você, no mínimo iam achar que você tinha algum problema na cabeça. Aliás, o próprio criador do Geralt coloca o homem sendo “zoado” pelos NPCs do jogo/livro, porque ninguém usava espada nas costas lá. Só que naquele contexto pelo menos há uma explicação: Geralt é um mutante, e mutantes usam espada nas costas. Tudo bem, na fantasia o autor pode colocar uma espada longa onde ele quiser, e se o cara tem uma espécie de poder mutante fica mais fácil ainda fazer o malabarismo. O que eu não entendo é: se ele é um mutante sinistro, com poderes sinistros, por que ele precisaria de uma mísera bainha?
Voltando para o nosso mundo, as coisas ficam mais complicadas: ninguém na Idade Média europeia usava espada longa nas costas, muito menos em situação de combate. Aliás, um dos maiores memes que criei no meu canal Brasão de Armas foi a bendita (ou maldita?) espada longa nas costas. No primeiro vídeo do canal o meme já foi sucesso absoluto. Foram milhares de comentários, os fãs só falavam nisso e se divertiam demais. Parece algo simples, mas como todo especialista em história militar antiga eu quero estudar e entender os mínimos detalhes de tudo, o máximo que puder, para poder divulgar essa ciência maravilhosa para o público. E eu posso dizer com muita convicção: espada longa nas costas é uma das maiores besteiras históricas dos últimos anos.
A menos que alguém tenha uma envergadura de chimpanzé, tirar toda a lâmina de dentro da bainha puxando pela empunhadura sem parecer um completo idiota é uma missão bem impossível
Um exemplo simples que costumo dar é o seguinte: imagine um soldado no calor do campo de batalha avançando em direção a seu inimigo com sua arma na mochila. Se a intenção dele é continuar vivo ele sabe que a arma precisa estar pronta para ser usada o mais rápido possível e se ela estiver na mochila ele pode perder segundos preciosos que salvariam sua vida. É a mesma coisa com batalhas medievais: cavaleiros e homens de armas estavam com suas vidas em jogo, e sacar uma espada das costas, além de ser fisicamente inviável, seria um favor para um inimigo sedento para te matar.
Por isso, seja em combate ou em situações normais do dia a dia a espada de um cavaleiro deveria estar sempre na sua cintura. Todas as iluminuras, afrescos e crônicas da Idade Média apontam para o uso padrão de espadas no quadril. É o lógico a se fazer: o tempo de resposta de saque de uma espada que esteja na cintura é muito superior comparado a retirada das costas. O posicionamento correto da espada na bainha fazia parte da esgrima europeia tradicional. Portanto, do ponto de vista histórico e marcial europeu não há discussão: espadas e suas bainhas sempre são usadas na cintura.
Mas a situação se torna ainda mais complicadas quando falamos das famosas espadas longas europeias. Elas tinham em média 85 cm apenas de lâmina, muitas chegando até 1,10 m. Então, a menos que alguém tenha uma envergadura de chimpanzé, tirar toda a lâmina de dentro da bainha puxando pela empunhadura sem parecer um completo idiota é uma missão bem impossível. Em outras palavras, seria necessário dar puxadinhas pela lâmina ou puxar a bainha para baixo com uma mão; esqueça qualquer tentativa de justificar a possibilidade de sacar uma espada das costas. Vai ser só uma gambiarra ridicularizante e sem respaldo histórico.
Contudo, você ainda pode perguntar: Thiago, e se alguém quisesse apenas carregar a espada nas costas só para transporte? Aí eu te respondo: fico feliz por ele, mas o problema desse “e se” é que ele pode puxar outro “e se” e aí saímos da história enquanto ciência que busca dados e fatos, para trabalhar com possibilidades e palpites, que podem nunca ter acontecido. Então, sim, do ponto de visto da possibilidade, qual o problema de alguém carregar uma espada nas costas apenas para transporte? Mas qual evidência apoia isso? O que ganhamos em justificar algo sobre o qual nunca tivemos qualquer informação de que existiu? O fato é que, do ponto de vista militar, esqueça, não rolava mesmo.
Portanto, é inútil ficar nessa rotunda do “e se” porque não vamos chegar a lugar nenhum. O estudo da história militar precisa fugir de suposições e palpites, a menos que não haja informações precisas sobre o que estudamos. Aí teorizar se torna mesmo a única alternativa. Ainda assim, teorias precisam ter fundamentos sólidos de pesquisa em outras áreas. Lembre-se que as espadas eram maravilhas da engenharia militar desde tempos imemoriais e cada detalhe delas era pensado para torná-las o mais eficiente possível; colocá-las na cintura não era por beleza, e sim por puro pragmatismo e eficiência militar.
Então, o que eu posso dizer para você com toda a certeza é que por mais que seja pura fantasia, Tolkien era inteligente demais pra imaginar Galadriel andando com uma espada longa nas costas no seu mundo.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima