“Finalmente o Brasil está livre de Portugal”. Muita gente deve ter dito isso no inesquecível 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro I deu o lendário grito “independência ou morte!”. Todos os brasileiros sabiam que sem os "malditos portugueses ladrões e matadores de índios" (bordão máximo dos guerreiros da justiça social) o povo do Brasil poderia se governar para finalmente se tornar uma grande e respeitada nação.
Sem pressa. Quem sabe nos próximos 200 anos a gente não consiga?
Muita gente vai comemorar o 7 de setembro como um marco na história do país, e como dizer que não foi? Mas quando pensamos em independência de um país, geralmente pensamos numa ruptura completa com o sistema anterior, uma revolução violenta contra um sistema para a instalação de um novo sistema. Aliás, não à toa, a independência dos Estados Unidos é também chamada de Revolução Americana. Algumas fontes dizem que 70 mil patriotas americanos morreram na guerra ou por consequência dela. Nossos vizinhos americanos em sua guerra de independência também pagaram um preço alto para sua liberdade: mais de 500 mil mortos em toda a América espanhola. No Haiti tivemos um saldo de 200 mil mortos. Ou seja, guerras de independência são banhos de sangue em qualquer contexto. Interesses políticos de ambos os lados tornam o relacionamento insustentável e a ruptura é inevitável. Esse é o normal. Mas aqui no Brasil foi anormal.
Não que não tenha havido sangue e morte por aqui; aliás, lembremos dos que aqui pereceram. Alguns números não-oficiais (onde estão os números oficiais?) sugerem entre 3 e 4 mil mortos no processo de independência do Brasil. A nível de comparação, nas duas Batalhas dos Guararapes em 1648/49 perdemos aproximadamente esse mesmo número de vidas, e se compararmos com as guerras de independência dos nossos outros vizinhos, o que aconteceu aqui parece mais uma escaramuça do que uma guerra em si. Um pouco de contexto pode ajudar a gente a entender isso melhor.
Foi Portugal que declarou a independência do Brasil.
Primeiro, vamos lembrar de um fator determinante para nossa independência não ter sido tão “normal” quanto as demais. É que nossa independência começou antes da nossa independência. Deixe-me explicar. Muitos anos antes de Pedro I subir em seu cavalo (alguns estão jurando que foi um jumento) aqui estava um rei chamado D. João VI. Ele era rei de Portugal, mas como Napoleão estava criando o caos na Europa e já estava a um passo de dominar Portugal, o rei D. João resolveu colocar em prática um plano que já estava na mente das cortes portugueses há um bom tempo: unir Brasil e Portugal em um reino só. E que momento melhor para fazer isso do que nas invasões napoleônicas? Portugal ainda teria um rei e, a partir de 1808, o Brasil também. O rei se mudou, e se um rei se muda a capital do país vai junto com ele. Agora a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves não era mais em Portugal, era no Brasil e num lugar conhecido como Rio de Janeiro. Em outras palavras, de colônia, o Brasil passou a ser a Metrópole e o Rio a capital do império português, conforme mostra a excelente obra do historiador Patrick Wilcken, “Império à deriva”.
D. João VI parecia estar bem “de boas” por aqui, tanto é que mesmo depois de Napoleão ter sido excomungado da Europa pelos britânicos e prussianos em 1815, João continuou por aqui e com ele a capital imperial. Em termos simples, pode-se dizer que o Brasil comandava o Império Português agora. Esse é um fenômeno raríssimo de se ver na história de qualquer país colonizador e colonizado. Nas palavras do historiador Kenneth Maxwell, na obra Naked Tropics, “foi Portugal que declarou a independência do Brasil”. Essa ousadia infame deixou os portugueses da antiga metrópole irados. Como um rei português poderia deixar Portugal em segundo plano? Daí começou a baderna por lá (como quase tudo que é chamado de revolução): a Revolução do Porto de 1820. Pressionado, D. João VI resolve voltar para apaziguar os ânimos dos portugueses e deixa seu filho, nosso Pedrinho I. Essa foi outra estratégia inteligente porque com o filho do rei regendo o Brasil, os portugueses pensariam duas vezes antes de tomarem qualquer atitude agressiva.
No entanto, os ânimos estavam tão tensos nos dois lados do Atlântico que a ruptura era inevitável. Mas para encurtar a história, ao invés de apoiar o interesse de seus compatriotas portugueses, D. Pedro I toma uma atitude inesperada e ele próprio declara a independência do Brasil, encerrando os laços entre os dois países definitivamente. E aqui, senhoras e senhores, temos mais um fenômeno raríssimo de se ver na história de qualquer país. D. João VI, o pai de D. Pedro, parece ter dado um apoio tácito a essa decisão do filho com a famosa declaração: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros.” E assim o Brasil se tornou um país soberano, fruto dessa independência anormal e inédita.
Para muitas pessoas isso é motivo de admiração, para outras de resmungo. Isso porque quanto mais sangue derramado, maior a luta e maior ainda é o orgulho dessa luta. Mas vendo os horrores das guerras que nossos vizinhos enfrentaram, qualquer pessoa sã diria que a nossa foi melhor, sim. Uma independência incomum e menos dolorosa. Quem quiser um bom motivo para admirar um capítulo da nossa história, aí está um dos grandes e digno de lembrar e relembrar.
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