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Os Estados Unidos exportaram muitas ideias para o Brasil e para o mundo, umas boas, outras más. Uma má ideia que agora está dominando é conhecida como ESG corporativo, cuja sigla em inglês significa “environment, social, and governance” (ambiental, social e governança). As corporações deveriam prestar atenção ao ESG, diz-se, porque é bom para o balanço final e/ou porque é a coisa certa a se fazer. Boa governança é uma termo vazio, pois todos ligam para isso – até acionistas gananciosos. Se for verdade que ser ambiental ou socialmente consciente é um comportamento que maximiza os lucros, então é verdade que as empresas devem agir desse jeito. Ninguém disputa isso. O único caso digno de interesse é quando agir de um determinado modo compensa uma coisa (digamos, o meio ambiente) por alguma outra (como lucros).
Mas o ESG é complexo e atraente porque se baseia numa ideia simples e profunda.
O ESG começou com as igrejas. Nos anos 1970, várias igrejas americanas importantes, donas de imóveis e investimentos, decidiram tirar seus investimentos de vários negócios que eram incompatíveis com sua missão moral. Os assim chamados “negócios pecaminosos” – jogatina, cigarros, álcool, pornografia – compunham a lista. É difícil ser contra os investidores escolherem o tipo de corporações que eles querem apoiar, ou com as quais querem lucrar.
O mesmo se dá com os clientes. Algumas pessoas podem se importar com os valores morais daqueles que fizeram a sua cerveja ou suas roupas. Outras podem não se importar, preferindo escolher conforme o preço, a qualidade ou o retorno no investimento. Os trabalhadores também podem ligar para a moralidade ou outros atributos das companhias para as quais eles trabalham, ou simplesmente escolher um lugar que ofereça a melhor combinação de benefícios e oportunidades.
Assim como as empresas adaptam os seus produtos e serviços para combinar com as necessidades dos clientes, também deveriam tentar satisfazer as preferências dos mercados nos quais todas competem: clientes, trabalho e capital ou investimento.
Os Estados Unidos exportaram muitas ideias para o Brasil e para o mundo, umas boas, outras más
Olhando de modo muito simples, uma corporação nada mais é que um meio de capacitar a colaboração de muitos humanos para atingir algum objetivo. Esse objetivo pode ser ganhar dinheiro, salvar a Amazônia ou alguma coisa entre isso. Nos Estados Unidos, a Apple, o The New York Times, e a organização Black Lives Matter são, todas, corporações. [N. t.: "Corporação" traduz, de modo inadequado, "corporation", à falta de termo análogo.]
Desse modo, podemos ver as corporações como mais uma maneira de ação coletiva. O governo é outro exemplo. Se você quiser resolver um problema social de algum tipo, ambos são opções para fazer isso. Por exemplo: imagine que você quer parar o corte raso na Amazônia. Você poderia pagar impostos para o governo brasileiro para que ele comprasse ou preservasse terras. (Nos EUA, eu posso pagar impostos ao governo americano, que pode dar ajuda ao Brasil para esse propósito ou para tomar ações com esse fim.)
De maneira alternativa, você pode escolher comprar de, ou investir numa, empresa que está comprometida com a preservação da floresta tropical. Você pode pagar mais por um café “sustentável” que prometa ter sido cultivado de um jeito que preservou locais selvagens. O extra que você paga é como uma doação para salvar a floresta tropical; mas, em vez de confiar no governo ou numa ONG, você pode confiar no Starbucks. As corporações podem ser melhores na tarefa de salvar o mundo, em alguns casos.
Embora esse seja um argumento para deixar as empresas competirem no ESG, há um grande problema. Entra em cena Milton Friedman. Nos anos 70, ele escreveu um famoso ensaio para a The New York Times Magazine, no qual declarava que o propósito da corporação é aumentar os lucros do acionista e nada mais. Seu argumento é simples: líderes de negócios não são políticos e, portanto, não deveriam ter fins políticos. Se os líderes de negócios focarem em ganhar tanto dinheiro quanto possível (dentro dos limites da lei), então haverá mais dinheiro de impostos para gastar em programas políticos. Ademais, haverá mais empregos e mais coisas valiosas. As empresas deveriam fazer o maior bolo possível e deixar a democracia dividi-lo.
A lógica aqui é contundente. Embora, em tese, alguém possa querer maximizar E (ambiente), S (social) e G (governança), como as empresas poderão avaliar os negócios quando eles conflitarem? Fechar uma fábrica no Rio e abrir uma com tecnologia mais limpa em Taiwan pode ser bom para o ambiente, mas mau para a sociedade local na qual a empresa opera. Esse tipo de questão é para legislaturas, não para empresas.
Uma vez que admitamos que as empresas devem pensar numa panóplia completa de outras questões, em termos tão vagos como fatores ambientais ou sociais, então a pressão pelo bom desempenho acaba bem reduzida. Em vez da disciplina criada pelas demandas dos acionistas interessados no preço da ação ou no retorno anual do investimento, ganhamos um mundo no qual os diretores executivos (CEOs) podem se desculpar pelo mau desempenho alegando que salvaram a floresta ou serviram a sociedade.
Se o diretor executivo estiver mesmo salvando a floresta, então os acionistas e outros podem ficar tranquilos com a troca (menos dinheiro por mais floresta); mas é possível, e até provável, que o diretor executivo esteja ocultando os lucros, ou não esteja trabalhando duro o bastante, e use a conversa do ESG como uma desculpa. Chamamos isso de “lavagem verde” (greenwashing), e os estudos acadêmicos mostram que muito do ESG é isso. Ademais, um estudo recente mostrou que diferentes empresas de avaliações ESG (nas quais temos que confiar para agregar toda a informação) chegam a conclusões absurdamente diferentes ao avaliarem as mesmas empresas. Não temos nem dados bons, que dirá juízos morais infalíveis.
Tudo isso nos deixa numa situação complicada. Em tese, as corporações fazem com que qualquer grupo de pessoas possa se reunir para alcançar qualquer finalidade desejada. Pode-se começar um negócio com a ideia de que metade dos seus lucros será doada à caridade; e, desde que isso esteja claro desde o começo, ninguém pode nem deve reclamar. Esse modelo da corporação como contrato sempre foi verdadeiro. Mas essa é uma exceção, não a regra para a maioria das empresas.
No entanto, é provável que a ascensão do ESG como uma filosofia dominante para todos os negócios seja uma cortina de fumaça para que os gestores preguiçosos ou gananciosos justifiquem seus fracassos ou explorem a credulidade dos investidores, clientes e trabalhadores, fazendo-os crer na superioridade moral deles. Nesse sentido, Miton Friedman estava certo: a maioria dos negócios deveria se ater aos negócios. Líderes políticos eleitos democraticamente podem fazer as avaliações.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima