Dezenas de milhares de pessoas estiveram em Fátima e disseram ter visto o sol se movendo no céu. Mesmo céticos que pretendiam desqualificar as aparições fizeram relatos semelhantes. (Foto: Reprodução)
O padre Stanley Jaki, uma grande referência no trabalho sobre ciência e fé, escreveu um livro apenas sobre este evento. Não tive a oportunidade de lê-lo, mas Stacy Trasancos, estudiosa do trabalho do padre Jaki, publicou um artigo quatro anos atrás em que resume as conclusões do sacerdote. Jaki conclui que, naquele dia, os espectadores na Cova da Iria presenciaram não exatamente um movimento solar, mas uma combinação única (tão única e irrepetível que, sim, Jaki a considera milagrosa) de fenômenos físicos: a presença de cristais de gelo nas nuvens e a interação entre uma massa de ar frio e outra quente. “Claramente, o ‘milagre’ do sol não foi um mero fenômeno meteorológico, ainda que raro. Do contrário, teria sido observado antes ou depois, independentemente da presença de multidões devotas. Eu apenas alego, como fiz em outros escritos meus sobre milagres, que ao produzi-los Deus frequentemente usa um substrato material e aumenta muito seus componentes físicos e suas interações. De fato, pode-se dizer, ainda que não da forma como alguns que escrevem sobre Fátima fazem, que os dedos da Mãe de Deus brincaram com os raios do sol naquela hora extraordinária, em Fátima”, diz Jaki em sua autobiografia.
Um outro artigo interessante saiu em 11 de maio deste ano, às vésperas do centenário da primeira aparição, no Catholic Herald. O padre (e especialista em física de partículas) Andrew Pinsent, diretor do Ian Ramsey Centre for Science and Religion da Universidade de Oxford, se pergunta: um cientista pode levar a sério o Milagre do Sol? E responde: por que não? Pinsent explica que muitas vezes temos uma compreensão errada do conceito de milagre, entendido de forma simplista como uma quebra das leis da natureza. O pulo do gato é que as leis da natureza descrevem o funcionamento de sistemas simples e isolados, mas eles estão sujeitos à intervenção de agentes livres, inclusive de um agente todo-poderoso. “Portanto, da perspectiva das leis científicas, não há um problema real com os milagres, porque descrever como um sistema funciona na ausência de intervenção não diz nada sobre se uma intervenção ocorre ou pode ocorrer”, afirma.
Lúcia, Francisco e Jacinta (da esquerda para a direita): pastorinhos disseram que a Virgem Maria havia prometido um grande sinal para o dia 13 de outubro de 1917. (Foto: Illustração Portugueza)
Mas, para Pinsent, há um outro modo de entender mal os milagres, que é buscar explicações naturais que reduzem o milagroso ao providencial. Essa afirmação parece, à primeira vista, bater de frente justamente com a explicação que Jaki oferece para o Milagre do Sol, mas podemos alegar que também Jaki aceita uma intervenção divina que “reforçou” as propriedades/características/interações do que quer que estivesse envolvido no episódio. Difícil saber, porque Pinsent não cita em nenhum momento a explicação fornecida por Jaki. Tampouco dá a sua hipótese para o que houve naquele 13 de outubro, limitando-se a dizer que tudo o que sabemos sobre o episódio é compatível com um “milagre público dos mais extraordinários”. Fica a impressão de que Pinsent admite que houve algo mais do que simplesmente um processo de ilusão de ótica, mas o quê? Até tentei falar com ele nos últimos dias para saber um pouco mais, mas não tive resposta.
Embora eu ache a explicação de Jaki bem convincente, eu tendo a acreditar que houve algo mais ali, e nisso acho que me inclino mais para a posição de Pinsent. Agora, que algo mais é esse, aí já não sei dizer.
(Aviso: O Ian Ramsey Center, citado neste post, já bancou a viagem do blogueiro a eventos internacionais de ciência e religião em 2011, 2013 e 2017)
Pequeno merchan
Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também sou colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio desde 2010. A editora vinculada à revista lançou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.