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Dias antes da minha viagem aos Estados Unidos, acabei encontrando um texto muito interessante que precisei deixar para comentar depois que voltasse. Ele já tem quase um mês e meio, mas não perdeu nem um milímetro de sua atualidade. Quem escreve é Denis Alexander, diretor do Instituto Faraday para Ciência e Religião da Universidade de Cambridge. Em um artigo sobre o abuso da teoria da evolução no debate entre ciência e fé, ele lembra que a ciência, os fatos científicos em si, são, digamos, “neutros”. A matéria se comporta daquela maneira específica, e pronto. O problema é quando esses fatos científicos são usados (e às vezes distorcidos) em nome de certas ideologias.

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O caso da evolução proposta por Darwin é, talvez, o mais significativo. Como já tivemos a oportunidade de comentar no blog, Darwin só queria explicar como surgiam as espécies; sua teoria é descritiva, explica como as coisas são, e não prescritiva (ou seja, não sugere como as coisas deveriam ser, muito menos no trato entre os homens). À revelia de Darwin, a evolução foi usada para justificar, por exemplo, práticas como a eugenia e doutrinas políticas como o militarismo e o socialismo. Como Karl Giberson me disse em entrevista ano passado, Darwin foi praticamente “sequestrado” por gente que pretendia se apoiar numa teoria científica para justificar suas barbaridades.

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Mas o sequestro continua, alega Alexander, e agora ocorre pelas mãos do ateísmo militante. Darwin nunca insinuou que sua teoria fosse um golpe na crença em Deus (afirmou justamente o contrário em suas cartas). No entanto, “Deus não existe” é a conclusão que Dawkins e companhia pretendem arrancar à força daquilo que Darwin propôs. Nesse sentido, é bem interessante ler o que Alexander diz a respeito: “A apresentação da evolução pelos ‘novos ateus’ é, de fato, muito similar àquela dos criacionistas e, mais recentemente, dos defensores do Design Inteligente. Os polos extremos são normalmente mais parecidos entre si do que costumam admitir”. E faz todo o sentido, afinal para ambos os lados “a evolução prova que Deus não existe”. A única diferença é a avaliação que fazem disso. Um lado acha isso bom, e outro lado acha isso péssimo. E tanto ateus quanto criacionistas acabam ignorando que essa afirmação (“a evolução prova a inexistência de Deus”) é simplesmente falsa.

(Um adendo: quem tem alguma familiaridade com a história do catolicismo nas últimas décadas vai identificar esse mesmíssimo mecanismo entre modernistas/teólogos da libertação e os tradicionalistas radicais: para ambos “o Concílio Vaticano II mudou radicalmente a Igreja”, e a diferença está na avaliação: para uns a Igreja finalmente entrou nos eixos, e para outros caiu na heresia. E todos se esquecem de que o Vaticano II não mudou praticamente nada na Igreja…)

Então, quando por exemplo a filósofa Mary Midgley chama de “Dawkinsismo” essa extrapolação da teoria de Darwin para fins, como poderíamos dizer?, antirreligiosos, descreve exatamente a situação de que Alexander fala em seu artigo. Como ele diz ao fim do texto, “os usos e abusos ideológicos da ciência são ruins para a educação científica, porque frequentemente a ciência acaba perdida no meio da retórica; para a religião, porque teorias científicas são sempre provisórias, sujeitas à refutação, e não estão aptas à tarefa hercúlea de servir de árbitro entre argumentos pró e antirreligioso.” A evolução é a melhor explicação atual para a diversidade biológica no planeta, acrescenta. “Vamos deixar as teorias científicas fazer aquilo para o qual elas servem, e não revesti-las com ideologias que não têm nada a ver com a ciência”, conclui.

O Tubo de Ensaio se classificou para a segunda fase do prêmio Top Blog, na categoria “Religião”. Nesta nova etapa, a votação popular recomeça do zero. Continuo contando com o voto de vocês!

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