Esqueça as lendas sobre cientistas buscando corpos clandestinamente para escapar da Inquisição: a dissecação era prática conhecida e autorizada pela Igreja medieval. (Imagem: reprodução)
Tudo começou em Florença, para onde a historiadora havia ido buscar fontes para sua pesquisa. E ali ela encontrou o relato de um homem de uma família rica, que pedia a autópsia de sua esposa recentemente falecida. Aquilo, conta Park, desafiava as lendas que ela sempre tinha ouvido sobre pioneiros da medicina que precisavam surrupiar corpos para abri-los às escondidas, para escapar da vigilância das autoridades eclesiásticas. E a partir daí ela foi encontrando mais e mais histórias, na sua maioria envolvendo autópsias e dissecações de mulheres, por uma razão: o desejo de entender os mecanismos da reprodução humana. “O útero e o corpo feminino eram o último segredo médico”, afirma. Por isso os procedimentos costumavam começar pelo aparelho reprodutor, exceto no caso das mulheres com fama de santidade, em que se examinava primeiro o coração à procura de algum sinal extraordinário que confirmasse fisicamente essa fama. E, em todos os casos, sem a menor oposição da Igreja.
“Toda vez que leio algo no New York Times sobre Leonardo da Vinci precisando esconder o fato de que ele estava dissecando corpos, e toda vez que ouço um guia de turismo na Itália contando essas histórias, isso acaba comigo. Não sei como me livrar desse mito”, encerra a historiadora. Park pode dormir com a consciência tranquila, porque fez um ótimo trabalho; não é culpa dela que o mito continue rodando por aí.
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