O papa Pio XII, já em 1950, dizia não haver impedimento para os católicos aceitarem a evolução, desde que com certas condições de ordem metafísica. Mas J.R. Guzzo, pelo jeito, não leu a Humani Generis. (Foto: Reprodução)| Foto:

Meus amigos me chamaram a atenção para o artigo de J.R. Guzzo na última página da Veja com data de 7 de agosto (cuja capa é sobre mortes no trânsito). No texto, ele (assim como tantos outros antes dele) procura dar a sua resposta para a perda de fiéis que a Igreja Católica vem sofrendo, resposta essa que consiste basicamente em abrir mão de tudo o que caracteriza o catolicismo: seus dogmas, suas práticas, sua moral, enfim, oferecer um cristianismo tão aguado que no fim não haveria a menor diferença entre a Igreja Católica e qualquer outra denominação cristã. Há duas coisas curiosas nisso. A primeira é ver como os não católicos se preocupam com o esvaziamento das igrejas, e como se empenham em buscar e divulgar suas soluções para estancar a sangria. Eu quase vou às lágrimas com tanta solidariedade. A segunda é que já existem várias igrejas que oferecem, há tempos, o “pacote completo” que Guzzo e tantos outros na mídia apontam como a solução para o catolicismo, e nem por isso há os movimentos de conversões em massa que deveria haver se fosse realmente esse o problema.

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Acompanho o noticiário sobre religião há muito tempo e, quando alguém escreve algo falso sobre a Igreja, ou é caso de ignorância ou de má fé mesmo. Não conheço suficientemente o trabalho do J.R. Guzzo para dizer que se trata de má fé, então dou a ele o benefício da dúvida. Já deve haver diversos apologistas respondendo a várias bobagens que ele escreve, mas aqui no blog vamos nos deter nos dois pontos específicos em que o articulista trouxe à tona a relação entre a Igreja Católica e a ciência.

Primeiro, Guzzo diz que, “pelos critérios vigentes”, o católico não pode muita coisa, incluindo “trabalhar em pesquisas com células-tronco”. Há uma omissão aí que faz toda a diferença. De fato, o católico não pode trabalhar em pesquisas com células-tronco embrionárias, mas a Igreja encoraja a pesquisa com células-tronco adultas. Tanto que existe uma parceria entre o Vaticano e uma empresa americana, a NeoStem, que trabalha justamente com esse ramo da terapia celular. O Vaticano chegou inclusive a promover dois congressos sobre a pesquisa com células-tronco, um em novembro de 2011 e outro em abril de 2013.

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Segundo Guzzo, o católico também “não pode achar que o homem vem do macaco, nem que as espécies evoluem e se transformam com o passar do tempo”. Para começar, a própria descrição de Guzzo é cientificamente incorreta, já que, pela teoria da evolução, o homem não “vem do macaco”; na verdade, homem e macaco têm um ancestral comum. Mas o pior é o articulista afirmar que existe oposição entre catolicismo e evolução, quando já em 1950 o papa Pio XII escrevia, em sua encíclica Humani Generis, que “o magistério da Igreja não proíbe que nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos se trate da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente (pois a fé nos obriga a reter que as almas são diretamente criadas por Deus)”. Guzzo provavelmente também não conhece a famosa mensagem de João Paulo II à Pontifícia Academia de Ciências em 1996, na qual o pontífice se refere à teoria da evolução como “mais que uma hipótese”.

Conclusão: faltou uma pesquisa básica sobre o tema. O pior é que não é nada complicado descobrir o apoio da Igreja à pesquisa com células-tronco adultas (o Vaticano até elogiou o Nobel de Medicina do ano passado), nem a conciliação entre catolicismo e evolução (uma pesquisa básica no Google resolvia facilmente o problema). O que será que faltou ao colunista?

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