Semana passada comentei aqui no blog a história dos estudantes islâmicos que estão boicotando aulas de Biologia nas faculdades de Medicina britânicas por causa do ensino da teoria da evolução. O canal de televisão Al Jazeera retomou o assunto e promoveu um debate com a participação, no estúdio, do imã Joe Bradford e, por videoconferência, do professor Salman Hameed e do filósofo Stephen Law. Confiram aí (o site do programa tem mais alguns recursos):

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Hameed começou afirmando que a evolução está no currículo escolar de vários países muçulmanos; o incomum é que esse boicote esteja ocorrendo na Inglaterra, e a partir desse ponto a conversa derivou mais para uma discussão genérica sobre ciência e fé. Por exemplo, os convidados lembraram que a “narrativa de conflito” é mais comum que a “narrativa da conciliação”. Hameed disse, por exemplo, que a notícia é o boicote de uma minoria, e não a maioria dos estudantes muçulmanos que não vê problema em assistir às aulas. Bradford lembrou o papel dos militantes que criam uma associação entre a evolução e o ateísmo, e aí entram tanto o britânico Richard Dawkins quanto o criacionista turco Harun Yahya (que, na opinião de Bradford, tem uma visão de mundo muito rasa e não colabora com o debate). Law fez uma distinção entre aprender uma teoria e aderir a ela. E, a julgar pelos tweets e mensagens nas mídias sociais lidas durante o programa, muitos espectadores discordavam do boicote (como, aliás, também discordou o professor Jamil Iskandar, da Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná, entrevistado para o blog na semana passada).

Na minha opinião, o assunto mais interessante demorou para engatar. O apresentador, Imran Garda, ressaltou que os muçulmanos parecem não ver problema com outras espécies evoluindo, mas ficam alarmados com o que Darwin afirma sobre a origem do homem. Só lá pelos 25 minutos do vídeo os convidados passam a falar disso, começando com o papel das escrituras. O problema, concordam todos, é com a noção de que o livro sagrado, seja a Bíblia ou o Corão, é cientificamente 100% preciso em tudo que afirma. O imã Bradford diz que o principal papel do Corão é guiar o fiel, não ensinar ciência. Mas, lá pelos 29 minutos, parece que Bradford se contradiz quando faz uma defesa da interpretação literal do que o Corão diz sobre a origem do homem. Ele até diz (29:18) que existem outros trechos do Corão em que Deus muda as pessoas de uma forma a outra, mas aos 29:33 afirma que, enquanto o Corão não exclui nem a microevolução nem a macroevolução, o livro sagrado exclui, sim, a explicação darwiniana para a origem do homem. Eu revi esse trecho várias vezes para ter certeza de que não estava entendendo errado, já que realmente parece contraditório. Pena que o apresentador não tenha pedido mais esclarecimentos.

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Ainda sobre o assunto do boicote às aulas na Inglaterra, recomendo este artigo de Steve Jones, ex-professor universitário. Ele parte de um problema pessoal, decorrência de um ou outro processo evolutivo, para se perguntar por que raios alguém resolve se especializar em algo negando as fundações dessa área? Jones cita Francis Bacon (“se alguém começa com certezas, terminará com dúvidas; mas se alguém se contenta em começar com dúvidas, terminará com certezas”) e acrescenta: “se você tem certeza absoluta de estar correto independentemente das evidências, você vai acabar encrencado; mas se você está sempre disposto a mudar de ideia quando os fatos mudam, você terminará com uma visão fortalecida sobre como o mundo funciona”. Jones não faz um ataque à religião, mas ao criacionismo, que para ele faz mal à religião, e não à ciência.

PS: tenho que pedir desculpas pela falta de atualização do blog durante esta semana. Foram circunstâncias que escapam ao controle do blogueiro, mas que felizmente já estão superadas.

PS2: neste domingo, às 11 horas (mas a organização recomenda chegar mais cedo, porque são apenas 62 lugares), o Planetário do Colégio Estadual do Paraná (Avenida João Gualberto, 250, Curitiba) realiza uma palestra gratuita sobre a Estrela de Belém. Como não poderei estar lá no dia, depois pergunto ao professor José Luís Ungaretti o que exatamente ele vai falar.

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