“Eu teria pena do bom Deus. A teoria está correta.” Foi assim que Albert Einstein respondeu a um repórter que perguntou ao físico como ele reagiria se o experimento desenhado pelo britânico Arthur Eddington não desse o resultado previsto pela Teoria da Relatividade Geral. No fim, Einstein não precisou brigar com a divindade.
Hoje comemoramos os 100 anos de uma das experiências mais relevantes do século 20. Em 1915, Einstein publicou a Teoria da Relatividade Geral, e uma das previsões feitas pelo físico era a de que a luz se curvaria ao passar por um campo gravitacional. Não era uma ideia exatamente nova nem mesmo dentro da física newtoniana, mas Einstein a havia aperfeiçoado, mencionando-a em papers a partir de 1907, e já tinha havido tentativas de fazer medições durante eclipses – uma no Brasil, em 1912 (com a presença do próprio Eddington), e outra na Crimeia, em 1914. Nos dois casos, o mau tempo atrapalhou as medições e, no caso russo, ainda houve o início da Primeira Guerra Mundial para piorar.
Mas haveria outra oportunidade em 29 de maio de 1919: um eclipse solar total que duraria quase sete minutos, o mais longo desde o século 15. Eddington e Frank Dyson, à época detentor do posto de Astrônomo Real, elaboraram uma expedição dupla: um grupo viria à cidade cearense de Sobral, e outro iria à ilha portuguesa de Príncipe, na costa da África. Resumindo bastante a coisa: o eclipse permitiria aos astrônomos fotografar estrelas que, em um dia normal, não são visíveis pois são ofuscadas pelo Sol. Depois, as imagens seriam comparadas com fotos dessas mesmas estrelas feitas à noite, observando sua posição. Se a Teoria da Relatividade Geral estivesse certa, haveria uma pequena diferença de posicionamento nas estrelas, que estariam meio "fora do lugar" esperado, comprovando que o Sol agia sobre a luz emitida por elas.
Eddington esteve no grupo que foi a Príncipe, e mais uma vez o tempo não ajudou, permitindo apenas algumas imagens, das quais apenas uma acabou prestando para o experimento. A equipe de Sobral, formada por Andrew Crommelin e Charles Davidson, do Observatório de Greenwich (quando você for a Londres, leitor, vale a pena fazer uma visita!). As imagens feitas no Brasil ficaram muito melhores. Os resultados foram publicados em novembro de 1919: as previsões de Einstein estavam mesmo corretas. Você pode ler mais na coluna de Fernando Martins e neste texto do professor Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, gentilmente enviado pelo leitor do Tubo José Maria Brito.
Já falamos aqui do que Einstein entende por Deus, quando comentei a biografia escrita por Walter Isaacson. Não é a divindade pessoal judaico-cristã, e sim uma espécie de projetista distante, que não se envolve com nossas vidas. Einstein usou a expressão “Deus de Spinoza” para descrever essa divindade, que está menos para um ser real e mais para uma personificação da própria perfeição da natureza. A “religiosidade” de Einstein era, portanto, o maravilhar-se diante do universo. Até por isso ele tinha tanta certeza de que o “bom Deus” tinha feito as coisas exatamente como a Relatividade Geral as descrevia: de forma elegante, harmônica. Não tinha como ser diferente.
Mas não é só por meio de Einstein que a ciência e a religião se encontram neste episódio agora centenário. Quatro anos depois do eclipse de 1919, Eddington receberia, em Cambridge, um orientando belga, o padre Georges Lemaître. Vocês conhecem o resto da história do pai do Big Bang. Eddington foi um grande incentivador do trabalho de Lemaître, levando para a comunidade de língua inglesa o trabalho de 1927 sobre a expansão do universo, publicado pelo sacerdote em uma revista belga, em francês, pouco conhecida. Mais tarde, quando Lemaître consolidou sua teoria sobre o “átomo primordial”, Eddington a recebeu com um certo ceticismo (o britânico morreu cinco anos antes de surgir a expressão “Big Bang”), mas, no fim, todos acabariam convencidos – inclusive Einstein, aquele que havia inicialmente dito a Lemaître que “seus cálculos são corretos, mas sua física é horrenda”.
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