Embora a notícia papal que esteja pegando fogo nesses dias seja a história da ítalo-suíça que o abordou na Missa do Galo (digo “abordou” porque ainda parece que não está claro qual era a da mulher), queria comentar, nesse que provavelmente será o último post do Tubo em 2009, a mensagem que Bento XVI escreveu para o Dia Mundial da Paz, que se comemora no dia 1.º de janeiro. Divulgado no último dia 8, quando a conferência de Copenhagen mal começava, o texto tem como tema a frase Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. Não se pode acusar a Igreja de oportunismo: uma das primeiras coisas que o Papa faz é recordar pronunciamentos de seus predecessores sobre o assunto.
Várias coisas chamam a atenção no texto. É interessante notar como o Papa classifica a crise ambiental como uma crise moral, derivada de uma degradação dos valores (assim como as demais crises, acrescenta o pontífice). De fato, a tarefa dada por Deus ao homem assim que a criação foi finalizada, diz o Gênesis, era a de “cultivar e guardar” o jardim, e não a de usá-lo com irresponsabilidade. Também se pode perceber na mensagem papal o incentivo à pesquisa científica e ao aprimoramento das técnicas que permitirão à humanidade aproveitar melhor os recursos naturais. E é aqui que Bento XVI introduz o que considero o ponto mais importante do texto. Reproduzo aqui as palavras do Papa, com destaques meus:
(…) uma visão correta da relação do homem com o ambiente impede de absolutizar a natureza ou de a considerar mais importante do que a pessoa. Se o magistério da Igreja exprime perplexidades acerca de uma concepção do ambiente inspirada no ecocentrismo e no biocentrismo, fá-lo porque tal concepção elimina a diferença ontológica e axiológica entre a pessoa humana e os outros seres vivos. Deste modo, chega-se realmente a eliminar a identidade e a função superior do homem, favorecendo uma visão igualitarista da “dignidade” de todos os seres vivos. Assim se dá entrada a um novo panteísmo com acentos neopagãos que fazem derivar apenas da natureza, entendida em sentido puramente naturalista, a salvação para o homem. Ao contrário, a Igreja convida a colocar a questão de modo equilibrado, no respeito da “gramática” que o Criador inscreveu na sua obra, confiando ao homem o papel de guardião e administrador responsável da criação, papel de que certamente não deve abusar mas também não pode abdicar. Com efeito, a posição contrária, que considera a técnica e o poder humano como absolutos, acaba por ser um grave atentado não só à natureza, mas também à própria dignidade humana.
Na relação entre ciência e religião, uma das funções que eu considero mais importantes para a fé é oferecer um norte ético para a ciência. É o que o Papa faz aqui: qualquer solução para a questão das mudanças climáticas precisa levar em conta uma hierarquia na qual o ser humano ocupa o topo. Falamos muito de Darwin este ano, e os ateus militantes gostam de alegar que a teoria da evolução desmente a “diferença ontológica” entre o homem e os demais seres vivos: seríamos apenas uma espécie a mais, sem nenhum status especial. Na verdade, não acho que é preciso ser religioso para reconhecer a existência dessa diferença ontológica. O cristianismo deixa claro que é nossa obrigação cuidar da criação, mas também deixa claro que a criação está a nosso serviço (reparem nas menções que o Papa faz ao “propósito” na criação, e ao fato de não sermos fruto de mero acaso), e não o contrário.
Quando se perde essa perspectiva, apela-se para qualquer coisa em nome da “salvação do planeta”. Antes mesmo de Copenhagen, uma agência da ONU defendia em relatório o controle populacional para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Como bem disse um amigo meu, “eles trabalham para dizimar a humanidade em nome da preservação do planeta. Se isso acontecer algum dia, para quem deixarão a Terra?”
Já ouvi muita besteira por aí, de que as religiões monoteístas seriam as responsáveis pelo aquecimento global, já que elas têm uma noção linear de tempo e dão ao homem um status especial, enquanto religiões pagãs que veem o tempo como cíclico “respeitam” mais a natureza. Como já vimos acima, nada mais enganoso. Os cristãos e os demais religiosos têm muito a oferecer no campo da preservação ambiental, não só com sua técnica e seu conhecimento científico, mas também pela perspectiva correta das coisas. Não dá pra defender o papagaio-da-cara-roxa e o urso polar, e pregar direito amplo, geral e irrestrito ao aborto, por exemplo. Isso é falta de perspectiva, e ela pode colocar a perder o esforço de conservação do meio ambiente.
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