Em primeiro lugar, desculpem a falta de atualizações nesses dias. Estive em São Paulo para o congresso da Abraji e os meus planos de atualizar o blog de lá não deram certo.
Como eu havia indicado na semana retrasada, continuaria acompanhando o noticiário atrás de textos relevantes sobre o anúncio da descoberta do bóson de Higgs, a tal “partícula de Deus”. Hoje eu trago dois textos publicados no Washington Post e um post no site da Fundação BioLogos. Todos eles mencionam a controvérsia em relação ao apelido, mas eu acho que isso já está ficando repetitivo demais. Sabemos de onde veio essa história de “partícula de Deus”, sabemos que os cientistas detestam o termo, mas que boa parte deles está consciente de que sem o marketing ninguém fora dos círculos especializados estaria comentando o bóson de Higgs. O mérito dessas três indicações de leitura é avançar no tema e mostrar como a religião pode se posicionar diante deste caso específico.
Dos três textos, o meu favorito foi o de Martha Woodroof no Post, que começa dizendo “dai à ciência o que é da ciência” e diz que todos, independentemente de religião, devemos comemorar a descoberta como um exemplo da capacidade humana de entender como as coisas funcionam. A autora, que crê em Deus, mas não adota nenhuma religião organizada, se questiona o que haveria de errado em acreditar que Deus existe e ainda assim ter curiosidade a respeito de tudo aquilo que a ciência pode descobrir. É justamente a curiosidade a primeira vítima da noção (repetidamente criticada aqui no blog) de uma divindade que precisa ficar intervindo o tempo todo no universo para que as coisas comecem a funcionar. Responder “Deus fez” para absolutamente toda questão, do surgimento da vida ao pescoço da girafa e a como as partículas adquirem massa, é cômodo, mas inibe aquele senso de indagação que move a ciência. Posso não concordar com todo o texto da articulista, mas endosso totalmente sua visão de que a descoberta da “partícula de Deus” é uma oportunidade para que as igrejas demonstrem que têm senso de humor (vimos no primeiro post de repercussão do bóson que houve alguns irritadinhos) e se coloquem acima de picuinhas, reconhecendo o valor da ciência naquilo que lhe compete.
Também no Post, o blog On Faith traz um texto de Chris Lisee que pergunta se há lugar para Deus em uma narrativa científica da criação. A primeira resposta é de, adivinhem?, Lawrence Krauss, que obviamente dirá que não. Para ele, a descoberta do bóson de Higgs oferece “uma nova história da criação” independente da crença religiosa. Parece que Lisee concorda com essa visão, porque, parágrafos abaixo, diz que o bóson de Higgs “ajuda a entender como algo surge do nada”. Já falamos bastante de Krauss por aqui e não vejo necessidade de repetição agora, mas me parece que o bóson de Higgs explica um fenômeno que ocorre depois daquele instante inicial do universo: são partículas que já existem e que, pela interação com o bóson, adquirem massa. Mais interessante é o comentário de Philip Clayton, para quem a discussão sobre se o bóson prova ou desmente a existência de Deus está errada desde o começo; melhor é ver como o ser humano, religioso ou não, fica maravilhado diante daquelas descobertas que estão no limiar daquilo que podemos conhecer sobre o universo. E esse maravilhamento leva inclusive pessoas não religiosas a usar uma linguagem próxima do senso religioso.
Nosso comentário final é de Faith Tucker. Ela tem formação tanto em Astronomia quanto em Religião, já trabalhou com divulgação científica na Nasa e atualmente coordena um projeto sobre ciência e fé na Associação Americana para o Avanço da Ciência. Para ela, a melhor maneira de os religiosos fazerem bom uso da descoberta é entender como funciona o processo de pesquisa científica e compreender que Deus não apenas criou um universo ordenado e compreensível, mas também deu ao ser humano o desejo de compreender esse universo, bem como a capacidade e as ferramentas para tal. E, para os mais chegados à reflexão, ela oferece um paralelo entre a procura por Deus e a busca pelo bóson de Higgs. Está lá no penúltimo parágrafo; gostei particularmente da menção ao fato de o bóson não ter sido, digamos, “diretamente” visto, mas de sua existência ter sido concluída pela observação de seus “efeitos”.
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