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Cão que ladra não morde
| Foto:
Junior/Wikimedia Commons
O pedaço de carne do milagre de Lanciano é guardado em um relicário.

Essa eu devo aos leitores do Tubo, sempre atentos, apesar desse início de ano um tanto vagaroso.

Os leitores mais antigos devem se lembrar de quando critiquei a Arquidiocese de Nápoles por não permitir testes no recipiente que guarda o suposto sangue de São Januário, que se liquefaz algumas vezes por ano. A mesma crítica, no entanto, não vale aos responsáveis por cuidar das relíquias do milagre eucarístico de Lanciano (também na Itália). Um resuminho da história: no século VIII, um padre celebrava missa e por um momento duvidou que o pão e o vinho realmente se transformassem no corpo e no sangue de Cristo. Diante do padre, o pão se tornou carne humana e o vinho se transformou em sangue, com todas as suas características (segundo a doutrina católica, na Eucaristia o vinho se torna sangue, mas continua tendo aparência de vinho).

O fato é que as autoridades religiosas têm permitido testes no que sobrou dessa carne e desse sangue, o último deles tendo ocorrido em 1971. Foi a respeito disso que um amigo me mostrou, hoje, um texto de um site de ateístas militantes que se propunha a “desmistificar” o milagre. Desconsiderando o tom raivoso do artigo, atenhamo-nos aos fatos que o autor alega ter em seu favor, e veremos que a consistência dos argumentos é a mesma de um pudim de leite condensado.

O primeiro envolve a identidade do assistente do professor Oduardo Linoli. “Ruggero Bertelli JAMAIS poderia dar qualquer ajuda na análise. Uai! Por que não? Porque Bertelli não é químico, biólogo, patologista ou médico do SUS. Bertelli é ECONOMISTA!”, diz o texto, que traz links para o currículo de Bertelli, e depois pergunta: “Quantos Ruggero Bertelli lecionam na Universidade de Siena, hein? Por que o crente mente? Por que mente o crente?”

Bom, acho que o autor do texto se precipitou um pouco. Um leitor do Tubo foi pesquisar e descobriu que o Bertelli economista seria um pré-adolescente na época dos testes em Lanciano. Um comentarista do blog ateu percebeu o fato, e o usou para reforçar sua argumentação de que “a Igreja mente”. Claro… se o Bertelli economista tivesse realmente sido o assistente de Linoli. Mas a verdade parece ser outra: existiu, sim, um Ruggero Bertelli anatomista e professor da Universidade de Siena, ativo (e com prestígio) no fim dos anos 60, como atesta o site da Sociedade Italiana de Anatomia e Histologia. Esta matéria do La Repubblica mostra que Bertelli era professor de Anatomia na Universidade de Siena até 1965, quando passou o bastão ao filho. Então, o primeiro argumento dos céticos foi para o brejo.

Segue o ateísta: “O texto, copiado na cara de pau por tudo que é site católico, na íntegra, diz que em 4 de março de 1971 apresentou os resultados. Mas, que resultados? Não vi uma publicação indexada atestando isso. Encontro referências, mas não O artigo. Não foi publicado na Science, Nature etc.” De fato, não foi. O próprio texto da agência Zenit que o autor ateísta esculacha dá a referência: “O informe do professor Linoli foi publicado em Quaderni Sclavo di diagnostica clinica e di laboratório (1971, fasc 3, Grafiche Meini, Siena).” Só porque o autor do artigo não o achou online, não significa que o artigo não exista. Ele deveria ter aprendido algo lendo Carl Sagan, não? “Toda hora estou procurando artigos indexados de Física que não encontro. Eles não existem? Claro que sim, só não estão online!”, acrescenta um outro leitor do Tubo. Só pra constar, o artigo de Linoli está indexado, sim.

Por fim, o autor acusa os católicos de inventarem uma instância da OMS para corroborar as conclusões sobre Lanciano. De fato, não existe órgão na OMS chamado “Conselho Superior”. Mas existem instâncias de governo na organização, e a pesquisa de 1973 pode ter sido encomendada por uma dessas instâncias. Fica a dúvida, mas de qualquer modo, se isso foi a única coisa que sobrou de um artigo raivoso escrito com o propósito de derrubar “cientificamente” o milagre de Lanciano, usar os Mythbusters no fim para dizer “mito detonado” é tirar com a nossa cara.

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