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É, eles existem.

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Ontem, em Roma, ocorreu uma conferência chamada The Scientific Impossibility of Evolution, realizada na Universidade São Pio V. O site do evento traz os resumos das palestras que seriam oferecidas, e parece que o foco principal dos organizadores não é exatamente desmontar a teoria de Darwin propriamente dita, mas usar a Geologia e a Paleontologia para mostrar que a Terra é mais nova do que se pensa, e que isso tornaria impossível a evolução das espécies como proposta por Charles Darwin. Nessa entrevista à agência católica Zenit, um dos organizadores explica que a macroevolução precisa se apoiar na interpretação atual do registro fóssil e da escala geológica de tempo, que dá ao planeta uma idade de 4,5 bilhões de anos. Então não é preciso bater de frente com Darwin; basta derrubar esses dois pilares.

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Eu soube dessa conferência por causa do comentário de George Sim Johnston no The Catholic Thing. Mas, depois de descobrir efetivamente no que consistia o evento de Roma, acho que Johnston tem muita razão nos argumentos, eu assino embaixo de todos eles, mas o problema é que ele está atirando no alvo errado. Johnston critica (acertadamente) quem se apoia no Gênesis para fazer afirmações de cunho científico, mas não parece, por exemplo, que os cientistas reunidos ontem estejam se baseando numa interpretação literal do Gênesis para contestar Darwin. Eles estão é principalmente se baseando em controvérsias sobre sistemas de datação.

Mais interessante é perceber que os promotores do evento dizem estar atendendo a um pedido do Papa, de que “os dois lados fossem ouvidos”. Na verdade, não foi bem isso que Ratzinger disse. Em Fé, Verdade e Tolerância, o que então cardeal pedia era uma discussão honesta sobre as implicações metafísicas da teoria de Darwin, diante da pregação de escritores/cientistas como Dawkins, que partiam de uma teoria biológica para fazer afirmações sobre a existência de Deus. Eles estão extrapolando, ou realmente Darwin dá base para tais afirmações? É essa discussão que Ratzinger pedia, e não um embate entre “a favor” e “contra” a evolução. Aliás, Johnston cita esse mesmo livro em seu comentário.

De qualquer modo, como eu já tive outras oportunidades de lembrar no Tubo, essa é uma discussão um tanto marginal à chamada “verdade salvífica” (o que é preciso saber para chegar à salvação eterna). Ninguém precisa ser criacionista, evolucionista ou adepto do Design Inteligente para ir ao céu. O que a Igreja Católica tem declarado é que certas coisas, sim, precisam ser aceitas pelo católico: que Deus criou o universo do nada; que as almas são criadas diretamente por Deus; e que houve um primeiro casal feito à imagem e semelhança de Deus (tá lá na Humani Generis), semelhança essa que consiste em realidades espirituais, e não em “aparência”. Todo o resto (como se formaram os corpos celestes, como surgiram as formas primitivas de vida, como surgiram os primeiros hominídeos) fica para a ciência nos dizer.

Não sei que tipo de segundas intenções podem estar embutidas nesse evento. Há correntes católicas que se apressam em condenar tudo que foi feito na Igreja após o Concílio Vaticano II, acusado de “modernismo”. Para esses grupos, tudo é culpa do concílio: a diminuição nas vocações sacerdotais, a bagunça litúrgica, o fenômeno dos padres cantores, a Teologia da Libertação, o aquecimento global, o mensalão, as derrotas da seleção para a França em 98 e 2006 (antes do Vaticano II não perdíamos pra eles), e por aí vai. Não me surpreenderia se esses grupos atribuíssem ao “modernismo” da “Igreja pós-conciliar” as afirmações favoráveis a Darwin feitas por João Paulo II e Bento XVI e resolvessem passar uma rasteira no naturalista inglês não em nome da ciência, mas em nome de uma pretensa pureza da fé. Mas a única ligação aparente entre os tradicionalistas radicais e o evento anti-Darwin de ontem é o nome da universidade onde ele ocorreu, o que também não diz muita coisa.

Como os leitores do blog sabem, eu considero a evolução a melhor explicação para a variedade de espécies que habita o planeta hoje e dou contrário a tentativas de fazer do Gênesis um livro de ciências, mas não parece que essa mentalidade esteja por trás do que ocorreu ontem em Roma. Colocar teorias e hipóteses científicas umas contra as outras, testar tudo, faz parte do método científico. Se para chegar à verdade for preciso haver embates como esse, ótimo, todos ganham.

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