Bento XVI em 2011, durante a Jornada Mundial da Juventude em Madri, na Espanha.| Foto: EFE/Ballesteros
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O ano de 2022 terminou com a notícia que todos sabíamos ser inevitável mais cedo ou mais tarde, mas que ainda assim foi muito doloroso receber: a morte do papa emérito Bento XVI. Eu era fã dele e de seu trabalho desde antes de ele ser eleito para suceder João Paulo II, embora, dos muitos livros dele que tenho, a maioria esteja naquela categoria “tenho, mas ainda não li”. Estou convicto de que, mais cedo ou mais tarde, ele será não apenas canonizado como também declarado Doutor da Igreja.

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No mesmo dia do falecimento de Bento XVI, o Vaticano divulgou seu “testamento espiritual”. É um texto curtinho, escrito em 2006, quando ele ainda tinha um ano e pouco de pontificado, mas que estava guardado para ser publicado após sua morte. E vejam vocês: de tanta coisa que ele poderia dizer sobre tantos assuntos, Bento escolheu dedicar parte de um dos seis parágrafos do “testamento” à relação entre ciência e fé!

“Com frequência, parece que a ciência – as ciências naturais de um lado e a pesquisa histórica (em particular a exegese da Sagrada Escritura) de outro – seja capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contraste com a fé católica. Vi as transformações das ciências naturais desde tempos remotos e pude constatar como, ao contrário, tenham desaparecido aparentes certezas contra a fé, demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas somente aparentemente incumbentes à ciência; assim como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a compreender melhor o limite do alcance de suas afirmações e, portanto, a sua especificidade.”

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Com esse trechinho tão curto quanto sábio, Bento XVI narra a derrocada da pretensão cientificista de ter todas as respostas, com a ciência suplantando e substituindo a religião, e exibe a nudez do rei: tal pretensão nem mesmo pode ser chamada de científica, não passando de “interpretações filosóficas somente aparentemente incumbentes à ciência”. Esta não é uma manifestação de desprezo pela ciência – pelo contrário, pois ele afirma logo depois que a ciência ajuda a fé a “compreender melhor o limite do alcance de suas afirmações”. O que Ratzinger critica é o triunfalismo de alguns cientistas que, extrapolando completamente o seu campo, defendem a ciência como única fonte válida de conhecimento.

“Vi as transformações das ciências naturais desde tempos remotos e pude constatar como, ao contrário, tenham desaparecido aparentes certezas contra a fé, demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas somente aparentemente incumbentes à ciência.”

Bento XVI, em seu “testamento espiritual”, divulgado após sua morte.

As palavras de Ratzinger são as palavras de um intelectual que tem muito claros os papéis exatos da ciência e da fé e de como ambas devem se relacionar. Isso fica explícito em tantas outras ocasiões nas quais Bento XVI se manifestou sobre esse tema, seja em homilias, audiências ou discursos à Pontifícia Academia de Ciências. Lembremos que foi Bento XVI, por exemplo, quem trouxe o projeto STOQ (Science, Theology and the Ontological Quest, uma iniciativa de universidades católicas de Roma) para dentro da estrutura do Vaticano. Foi ele quem idealizou o Átrio dos Gentios, uma instância de diálogo entre crentes e não crentes, e cuja edição curitibana trouxe o cardeal Gianfranco Ravasi e o cientista Marcelo Gleiser. E foi com o incentivo do papa que o Vaticano se aliou a uma empresa de terapia celular para pesquisar o uso de células-tronco adultas em tratamentos médicos. Não desprezemos o legado que Ratzinger/Bento XVI deixa no campo do saudável diálogo entre ciência e religião.

Blog em recesso até meados de fevereiro

O Tubo de Ensaio passará por um breve recesso e deve estar de volta lá por meados de fevereiro. O objetivo é tentar ler algumas coisas bem interessantes para trazer aqui no meu retorno, mas nunca se sabe...

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