| Foto:

A contribuição de hoje ao blog é do Rogério Fernandes da Silva, professor de História na rede pública estadual do Rio de Janeiro e mestrando em Ciência da Religião pela PUC-SP. Em outubro do ano passado, ele participou do VII Congresso Latino-Americano Sobre Ciência e Religião, no Rio, e apresentou o trabalho Pensamento neoateísta: usos e abusos dos conceitos de ciência nas redes sociais. O artigo abaixo é baseado justamente na sua apresentação.

CARREGANDO :)

Cientificismo nas redes sociais

Rogério Fernandes da Silva

Publicidade

Lendo Galileu na prisão e outros mitos sobre a Ciência e a Religião, fiquei fortalecido em minha reflexão sobre o que acontece no Brasil atual. O atual sucesso de livros como Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, Deus não é grande, de Christopher Hitchens, e das obras de Sam Harris popularizou uma visão sobre a ciência. Em torno dela se uniram vários ateus, cientistas ou não, que autodenominaram seu movimento de neoateísmo. Tem por características um ateísmo militante que procura conversões e uma visão de conflito permanente com o sentimento religioso. Eles acabaram servindo, graças ao sucesso de vendas de suas obras, para mostrar como havia um mercado para o segmento antirreligioso carente de pessoas de destaque no Brasil. Não que não haja ateus brilhantes no Brasil; mas estes não estão preocupados em converter ninguém, e nem em produzir obras proselitistas.

Podemos perceber, nos últimos anos, um aumento do discurso de que há um antagonismo entre fé e ciência nos meios das mídias sociais. Entretanto, esses discursos dificilmente pensam os limites da ciência; em vez disso, tendem a um elogio e à crença infinita no poder da ciência para explicar e solucionar tudo. Muitos desses “ateus de mídias sociais” são jovens que já estão na vida universitária; outros ainda estão entrando na faculdade, ou são apenas curiosos e amantes das descobertas científicas. O grande problema é que são justamente esses os mais suscetíveis a um doutrinamento ideológico como o que acontece nas redes sociais em que o movimento neoateísta é mais predominante.

Esse movimento, iniciado por Sam Harris, tem entre suas características uma crença na superioridade da ciência e no antagonismo com a religião. O neoateísmo, por sua característica radical, tem arrebanhado muitos jovens internautas. Já me deparei, em discussões com jovens universitários influenciados por leituras desse grupo, com afirmações de que a filosofia da ciência só serve para discutir os “fios capilares do ovo de galinha” ou que a filosofia não é nada diante da ciência. Ou, ainda, que quem conhece a ciência tem as respostas para tudo, como se o que consideramos belo fosse possível de ser avaliado. Enfim, para essas pessoas a ciência tornou-se salvífica, substituindo o papel da religião em suas vidas.

Parece até que nossos cursos superiores estão criando tecnicistas, e não pesquisadores que pensem o papel de seus ofícios e limites de suas atividades. O que dificilmente seria verdade, por vermos professores universitários se esforçando para que seus alunos se tornem pesquisadores e reflitam o papel de sua atividade.

Publicidade

Galileu na Prisão é uma obra que quebra muitos mitos antireligiosos que continuam sendo muito numerosos na internet. Fico admirado, como professor de História, com alguns mitos recorrentes, como aquele segundo o qual a Igreja católica teria sido anticientífica, desconsiderando que ela foi uma das patrocinadoras da ciência, tendo inúmeros cientistas a integrando não só no passado, mas atualmente também. Outro mito que me estarrece, muito comum nas redes sociais, é o de ainda se rotular a Idade Média como “Idade das Trevas”, sendo que a historiografia moderna reconhece o momento como época de sínteses culturais e avanços científicos. Isso demonstra que os avanços no conhecimento histórico demoram muito para chegar às pessoas fora da academia.

Se devemos dar graças ao movimento criado por Sam Harris, é por tornar pertinente de novo uma velha discussão que superamos graças ao avanço da compreensão do que é a ciência e de quais são seus limites. Harris faz parte de um grupo periférico de cientistas que tem as luzes da mídia direcionadas a eles por causa da “fé” de milhares de pessoas que acreditam em seus discursos radicais. Nada mais anticientífico que transformar ciência em dogma.

——

Você pode seguir o Tubo de Ensaio no Twitter e curtir o blog no Facebook!