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Li hoje um texto publicado ontem no Huffington Post que me chamou a atenção. Michael Zimmerman, Ph.D. em Ecologia, tem participado da discussão sobre criação e evolução por décadas, e no artigo ele pede uma redefinição do debate sobre as teorias de Darwin. Para Zimmerman, não se trata de um embate entre ciência e religião. Se fosse assim, estariam os clérigos todos entrincheirados de um lado, e os cientistas todos entrincheirados de outro. Mas há muitos clérigos e pessoas religiosas que aceitam sem problemas a evolução. “Ciência x religião” seria, então, uma abordagem simplista demais. O que Zimmerman alega é que essa questão, em vez de opor ciência e fé, coloca de lados opostos visões diferentes da religião. Uma leitura 100% literal da Bíblia contra outra que aceita a possibilidade de alegorias. Uma mentalidade que, na linha de São Roberto Bellarmino, não descarta as descobertas científicas e busca o significado correto dos textos sagrados a partir dessas descobertas contra uma mentalidade que parte de uma conclusão para só então buscar evidências que apontem para aquela direção.

A argumentação de Zimmerman faz todo o sentido, e não chega a ser novidade. Um leitor deste blog comentou comigo uma vez que o processo de Galileu ocorreu mais ou menos nesses mesmos moldes. Não era uma teoria religiosa contra uma teoria científica, e sim uma polêmica escriturística, sobre a interpretação de certas passagens da Bíblia. Prometo aprofundar esse assunto quando eu conseguir ler o volume lançado pela editora da Unesp com as famosas cartas de Galileu que o levaram a ser processado pela Inquisição. Mas, voltando ao artigo de Zimmerman, ele cita o Clergy Letter Project, organizado por ele próprio, e que já recebeu, até hoje, quase 12,5 mil assinaturas de padres, pastores e outros clérigos cristãos. A iniciativa teve tanto sucesso que surgiu uma versão para rabinos (quase 500 assinaturas) e outra para os unitaristas-universalistas (pouco mais de 200 assinaturas). Em seu artigo, Zimmerman afirma: “Diferentes como são, eles têm três coisas em comum: todos aderem firmemente à sua religião, tendo dedicado boa parte de suas vidas a entender e promover o Cristianismo; todos reconhecem o papel central da evolução, defendem que ela seja ensinada nas escolas e entendem que ela não oferece ameaça à fé; e todos têm sido impiedosamente atacados, por causa de suas crenças, por aqueles para quem a única visão de religião que importa é a sua.” De fato, parece que os signatários têm levado mais chumbo dos fundamentalistas religiosos que dos fundamentalistas cientificistas.

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Vejam só a íntegra da carta:
Dentro da comunidade de cristãos existem áreas de desacordo e debate, incluindo a maneira correta de interpretar a Sagrada Escritura. Enquanto praticamente todos os cristãos levam a Bíblia a sério e a adotam como autoridade em assuntos de fé e moral, a esmagadora maioria deles não lê a Bíblia literalmente como se faria com um livro de ciências. Muitas das queridas histórias encontradas na Bíblia – a Criação, Adão e Eva, a Arca de Noé – trazem verdades eternas sobre Deus, os seres humanos e a adequada relação entre o Criador e a criação, expressadas na única forma pela qual essas verdades seriam capazes de ser transmitidas de geração em geração. A verdade religiosa é de uma ordem diferente da verdade científica. Seu propósito não é fornecer informação científica, mas transformar corações.

Nós, abaixo assinados, clérigos cristãos de várias denominações diferentes, acreditamos que as eternas verdades da Bíblia e as descobertas da ciência moderna podem coexistir pacificamente. Acreditamos que a teoria da evolução é uma verdade científica basilar, que passou por rigoroso exame e na qual se baseia muito do conhecimento e dos avanços humanos. Rejeitar essa verdade ou tratá-la como “uma teoria a mais no meio de outras” é deliberadamente abraçar a ignorância científica e transmiti-la às nossas crianças. Acreditamos que entre os grandes dons de Deus está uma mente humana capaz de pensar criticamente, e a falha ao empregar corretamente esse dom é uma negação da vontade do Criador. Defender que o plano salvífico de Deus para a humanidade dispensa o uso integral dessa faculdade da razão é limitar Deus, é um ato de arrogância. Nós pedimos às autoridades educacionais para que preservem a integridade do currículo escolar de Ciências reafirmando o ensino da teoria da evolução como componente central do conhecimento humano. Pedimos que a ciência permaneça sendo ciência e a religião continue sendo religião. Diferentes, mas complementares, formas de verdade.

Mas não só religiosos participam do Clergy Letter Project: cientistas de 30 países também assinaram como consultores. E o único brasileiro é daqui, de Curitiba. O professor Márcio Roberto Pie dá aulas na pós-graduação em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Paraná e comanda pesquisas no Laboratório de Dinâmica Evolutiva e Sistemas Complexos. “Eu soube da iniciativa pela American Scientific Affiliation (um grupo de cientistas cristãos nos Estados Unidos) e procurei o dr. Zimmerman para aderir ao projeto”, conta o pesquisador, que pertence à igreja dos Irmãos Menonitas. “Boa parte dos cientistas cristãos não vê a menor incompatibilidade entre sua fé e a teoria de Darwin”, acrescenta Pie.

Ele compara a intensidade da controvérsia envolvendo a evolução no Brasil e nos Estados Unidos. “Lá os criacionistas têm tentado, inclusive por meios legais, chegar diretamente ao público leigo por meio das escolas, tentando alterar os currículos de Ciências. Aqui essa discussão é muito mais suave, e a animosidade apareceu quando os ateus militantes começaram a fazer mais barulho”, explica. Pie rejeita totalmente a associação entre evolução e ateísmo. “Assim como os criacionistas fazem uma caricatura dos pontos de vista opostos, os ateus militantes fazem o mesmo. Eles empregam uma falácia lógica absurda, pois a Metafísica não faz parte do escopo das ciências naturais. Usar a ciência para provar ou negar a existência de Deus é abusar da ciência”, defende.

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O professor da UFPR conta que às vezes alunos e colegas se surpreendem ao saber que ele é evolucionista e cristão. “É uma pena, porque isso significa que muita gente já comprou essa ideia de que ciência e religião são adversárias. O que eu faço é mostrar subsídios para eliminar essa dicotomia e promover uma discussão que seja produtiva sem a necessidade de recorrer a falácias”, afirma.

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Pouca gente participou até agora do desafio do Tubo de Ensaio, confiram dois posts abaixo.

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