(Atualizado às 15h24 de terça-feira, 24/9, com a informação de que o site da FlatCon já não coloca o Auditório Paraíso como local do evento)
Eu juro que não queria falar da tal FlatCon, a primeira convenção nacional de terraplanistas que vai reunir como palestrantes um bocado de youtubers e nenhum cientista, para promover a pseudociência da Terra plana – mesmo porque, até onde eu sei (mas posso estar enganado), não existe um componente religioso por trás dessa loucura. Mas, lendo reportagem do Estadão sobre o tema, descobri que o evento estava programado para ocorrer no auditório de uma escola católica, o Colégio Maria Imaculada, na região central de São Paulo.
Como raios um colégio católico me recebe um evento desse tipo? Procurei o Maria Imaculada, onde o responsável pelo auditório, Rafael Germano, confirmou que a FlatCon realmente estava programada para ocorrer ali – estava, porque o colégio havia decidido não ceder o espaço ao evento terraplanista, por estar em desacordo com os princípios da escola. Mas ele acrescentou que a negociação não tinha ocorrido diretamente com o colégio, pois a locação de seus dois auditórios – um para 100 pessoas e outro, para 300; o evento terraplanista estava marcado para este último – é terceirizada para uma empresa chamada Salas Brasil. Ali, também fui informado de que, a pedido do colégio, a FlatCon não mais ocorreria ali, sendo possivelmente transferida para outro auditório administrado pela mesma empresa.
O diretor comercial da Salas Brasil, Osvaldo Scapin, confirmou que a FlatCon não acontecerá no auditório do Maria Imaculada, mas não soube dizer se havia algum contrato já fechado com os organizadores do evento. "Nós temos uma parceria muito longa com o colégio e sabemos que tipo de eventos podemos levar para lá ou não. Nosso público é mais corporativo; essa conferência é algo que foge um pouco do nosso perfil, e decidimos que não seria adequado, considerando também o perfil da escola", afirmou.
No fim da tarde da segunda-feira, tanto o site do evento terraplanista quanto a página no Facebook ainda colocavam o Auditório Paraíso como o local da conferência; também na segunda-feira, o blog procurou a organização da FlatCon tanto pela mídia social quanto por e-mail para confirmar que a conferência mudaria de local, mas ainda não recebeu resposta. No começo da tarde de terça-feira, o site do evento já não trazia informação alguma sobre onde ocorreria o congresso, mas a página do evento no Facebook ainda divulgava imagens e vídeos do Auditório Paraíso.
Se for confirmado, este desfecho é bastante prudente. Associar o nome do Maria Imaculada à FlatCon teria sido um desastre, pois não faz o menor sentido que um colégio católico sedie um evento de terraplanistas, especialmente quando o mito de que os católicos medievais acreditavam em uma Terra plana continua a ser tão prevalente na sociedade, embora descartado pelo mundo acadêmico. A reportagem do Estadão (produzida pela agência espanhola EFE) não compra o mito explicitamente, mas cita um marco temporal sintomático: a viagem de circunavegação do globo realizada por Fernão de Magalhães. É verdade que há um aniversário redondíssimo aí, pois a expedição começou exatos 500 anos atrás, mas a esfericidade da Terra já era conhecida desde Eratóstenes, na Grécia Antiga, e nunca foi seriamente questionada na Idade Média. Que o repórter tenha preferido usar a circunavegação em vez do experimento grego dá a entender que o monstro mitológico continua à solta; exatamente por isso é melhor não alimentá-lo.
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