João Paulo II em visita ao Cern, em 1982: pontífice defendia colaboração frutífera entre ciência e religião.| Foto:

Semana passada o site Church Life Journal publicou um ensaio de Jordan Haddad sobre a relação entre a ciência e o Cristianismo, explorando que contribuições a ciência oferece à fé cristã, e vice-versa. O ponto de partida do autor é uma carta do papa São João Paulo II ao padre George Coyne, então diretor do Observatório Vaticano. Nela, o papa dizia que “a ciência pode purificar a religião do erro da superstição; a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos”. Mas como isso ocorre? Haddad vai buscar respostas na obra de Stephen Barr, físico da Universidade de Delaware e presidente da Sociedade de Cientistas Católicos.

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Vou pular aqui toda a introdução histórica que Haddad faz, mencionando importantes cientistas que também eram pessoas de fé e explicando como a maneira cristã de enxergar a ordem no mundo permitiu a ascensão da ciência moderna, e vou direto para as contribuições mútuas. O que, então, o Cristianismo tem a oferecer à ciência? Haddad mostra o quão longe a ciência e a tecnologia nos levaram em seus campos específicos, todas as conquistas que tivemos em melhoria do padrão de vida, tudo o que descobrimos sobre o universo e o ser humano, mas acrescenta que nosso livre arbítrio permite que tudo isso possa ser usado tanto para o bem quanto para o mal. Essas observações levam às duas grandes contribuições da fé à ciência: a primeira é a humildade demonstrada quando a ciência reconhece suas limitações, como a de não ser capaz de explicar por que o mundo é como é (no sentido de questões como o propósito da existência), ou a limitação que encontra diante das realidades sobrenaturais. Não reconhecer essas limitações é justamente dar lugar à “idolatria” e aos “falsos absolutos” de que fala João Paulo II. Já a segunda contribuição do Cristianismo à ciência está na reflexão ética e no desenvolvimento das virtudes que permitem o reto uso dos avanços científicos. Sem isso estamos diante da ciência pela ciência e da aplicação da lei do mais forte.

Mas o que me interessava mais no ensaio era a parte da contribuição da ciência para a fé. Afinal, os cristãos cremos que a revelação divina se encerrou com o último apóstolo, e que dali em diante não há nada de novo; todo o trabalho dos teólogos ao longo desses 21 séculos é o de entender melhor aquilo que Deus já nos disse por meio de Seu Filho. Por isso Haddad recorre à definição de Teologia feita pelo dominicano Aidan Nichols: “a exploração disciplinada daquilo que está contido na revelação”. Ou seja, tem de haver exploração, guiada pela razão. E a revelação não trata apenas daquilo que Deus revelou a respeito de Si mesmo, mas de tudo o que existe em sua relação com Ele. É aqui que entra a ciência, quando nos ajuda a compreender como funciona o mundo que Deus criou. Um campo que se beneficia enormemente das descobertas científicas é o da interpretação da Escritura; não por acrescentar ou retirar algo ao que está ali escrito, mas por ajudar a compreender a real mensagem do autor sagrado, que escreveu verdades que são eternas, mas com as ferramentas intelectuais disponíveis em seu tempo. Haddad cita Barr em outro exemplo de “purificação” da fé por meio da ciência, que é a discussão sobre a “localização” do céu e do inferno, em que a geologia e a astronomia forneceram informações valiosas que forçaram os teólogos a repensar o que se julgava certo sobre essas duas realidades, passando a focar mais sua natureza que sua eventual localização física.

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Uma outra menção feita por Haddad já me soa mais bizantina: ele diz, por exemplo, que a biologia moderna nos ajuda a responder questões sobre o sofrimento físico de Cristo; não o sofrimento da crucifixão, mas o do dia a dia. Pode até ser que, até pouco tempo atrás, se acreditasse que Jesus não pudesse ser afetado por vírus ou bactérias, o que parece pouco razoável se lembrarmos que Cristo era verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Mas me parece pouco relevante saber se Jesus pegou catapora na infância ou se ficava resfriado. Em vez desse tipo de coisa, talvez Haddad pudesse ter dedicado mais tempo a mostrar como a ciência nos ajuda a entender a ação criadora de Deus, eliminando aquela noção do “Deus com a varinha mágica” de que o Papa Francisco falou certa vez.

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