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Como um Deus bom permite a crueldade da seleção natural?
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Essa pergunta é o subtítulo do artigo publicado por Mark Vernon no site Big Questions Online. O articulista parte de uma questão que, para ele, é um “desafio à crença religiosa”: a destruição de vida inerente ao processo de seleção natural. Aqui temos de tudo, de catástrofes naturais à extinção de espécies inteiras. “O processo normal da evolução mostram que a natureza pode ser um açougueiro descuidado ou um torturador maldoso”, escreve Vernon. E, depois de citar o fim dos dinossauros, fala da onipresente vespa icneumônida, aquela que deposita os ovos no hospedeiro vivo para as larvinhas irem comendo os órgãos do pobre animal na ordem exata para que ele sobreviva o máximo possível…

Ethan Miller/Getty Images/AFP

Sinceramente, não sei até que ponto o questionamento de Vernon faz sentido. Ele classifica esse tipo de coisa como fazendo parte daquele grande mistério chamado “mal”. Pelo menos na minha visão, o real mistério é o mal moral, não um suposto “mal natural”. Mas, ainda que as perguntas não sejam assim brilhantes, o que me interessa no artigo são as duas diferentes respostas que Vernon elenca.

O biólogo evolucionista Francisco Ayala, por exemplo, afirma que a evolução não torna mais complicada a questão do mal. Para ele, o mal requer intenção. “É por isso que um terremoto, por exemplo, não pode ser considerado imoral. Ele mata, é verdade, mas esses são eventos naturais pelos quais ninguém pode ser considerado culpado”, é como Vernon descreve o pensamento de Ayala. Se a vida é o resultado de processos naturais, Deus não pode ser culpado pela tragédia que se abate sobre as espécies (ou os indivíduos) menos aptos. A natureza é desse jeito. Por esse ângulo, não poderíamos nem mesmo falar de “crueldade” na seleção natural.

A outra resposta citada por Vernon é a do anglicano John Polkinghorne. Ele parte de um trecho da carta de São Paulo aos romanos: “Pois a criação foi sujeita à vaidade” (8,20), diz o apóstolo. A vaidade, segundo Polkinghorne, seria o preço da seleção natural, a sucessão de gerações que morrem para que outras possam surgir, as mutações que em alguns casos melhoram as espécies e, em outros, as destroem.

Mas São Paulo acrescenta que a criação tem “a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (8,21). A liberdade é resultado de um balanço entre ordem e caos no mundo. Muita ordem, com o objetivo de reduzir ao máximo o surgimento de “lixo” evolutivo (as alterações que acabam descartadas) impediria que também surgissem as novidades que prosperariam; por outro lado, muito caos faria com que nada prosperasse. Por isso “a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia”, explica Polkinghorne. Vernon diz que essa visão não exclui Deus das “dores” da evolução porque nela o próprio Deus sofre também, na pessoa de Jesus Cristo.

Vernon pega os dois raciocínios e os submete a uma analogia com a “causa de duplo efeito”; não sei se isso procede, já que para mim a “causa de duplo efeito” só se aplica a atos morais. Se não existe moralidade na natureza, como argumenta Ayala, qual o sentido de aplicar à seleção natural uma categoria que pertence aos atos humanos? Eu poderia dizer que o que realmente vale a pena no artigo é o raciocínio desenvolvido tanto por Ayala quanto por Polkinghorne; se deixarmos de lado os momentos em que Vernon resolve se intrometer, o resultado é bem positivo.

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