A correria da última semana me impediu de blogar sobre um texto curioso que li semana passada no site do Boston Globe. Ele foi escrito pensando num contexto político, mas acho que podemos aplicá-lo ao nosso tema.
O articulista Joe Keohane nos traz uma notícia não muito boa: os fatos não têm aquele poder modificador que nós costumávamos atribuir a eles. Pesquisadores da Universidade de Michigan descobriram que quando pessoas que têm certas crenças e ideologias são confrontadas com fatos verdadeiros que contrariam essas crenças e ideologias, normalmente elas acabam reforçadas, e não derrubadas. Keohane compara os fatos a antibiótico abaixo da dosagem correta: em vez de destruir a desinformação, a tornam mais forte (ok, tecnicamente não é bem assim que funciona, mas deu pra entender a comparação, não deu?).
Obviamente uma das perguntas certas a fazer diante desse resultado é “por que isso acontece?” Keohane dá algumas explicações, inclusive relacionadas a mecanismos cerebrais que, digamos, “protegem” nossas crenças e servem para dar uma certa consistência à nossa visão de mundo. Além disso, ele acrescenta, atualmente o fluxo de informação é gigantesco, o que também aumentou a quantidade de informação errada. Nunca foi tão fácil estar enganado quanto hoje. Ainda mais quando o engano é conveniente para reforçar aquilo que já pensamos sobre certos assuntos. Mas quem vai ao centro da questão, para mim, é o cientista político Brendan Nyhan. Para ele, é ameaçador admitir que se está errado. Em outras palavras, parece que existe uma crise de humildade por aí. Eu tenho uma certa birra com o uso de “humilde” para significar “pobre” (como em “é uma casa humilde”), apesar de esse significado já estar consagrado até em dicionário. Afinal, o verdadeiro humilde é o que tem consciência do seu lugar e julga corretamente seus acertos e erros, virtudes e defeitos. É essa humildade que parece estar faltando, considerando as pesquisas citadas no artigo.
Fico pensando em quantos níveis isso opera. Uma vez fiz uma matéria sobre indisciplina escolar e os diretores contavam que às vezes precisavam chamar pais de alunos que em sala de aula eram verdadeiras pestes. Os pais se recusavam a acreditar que o anjinho deles pudesse, na verdade, ser um diabinho, e passavam a falar em “perseguição do professor” ou coisa parecida. Fico imaginando o medo desses pais de reconhecer que, como Marco Aurélio diz a Cômodo em Gladiador, “suas falhas como filho são minhas falhas como pai”.
Um aspecto particular desses estudos tem tudo a ver com nosso assunto aqui: quanto mais aquelas crenças e ideologias são importantes para a pessoa, maior é a tendência de a informação correta causar aquela reação de reforço das próprias visões de mundo, em detrimento dos fatos. E pouca coisa pode ser mais importante para uma pessoa do que suas visões religiosas. Basta ler relatos de conversão (de uma religião para outra, ou do ateísmo para a religião) para reparar que uma das maiores angústias de um convertido em estágio inicial é ter de admitir que estava enganado sobre muitas coisas.
Agora, imagine quando colocamos a ciência no meio… não, a ciência não prova que Deus não existe. Mas prova, por exemplo, que o nosso mundo tem uma certa idade. Provas que contradizem uma certa interpretação bíblica (que, aliás, sequer está no livro sagrado) sobre uma Terra jovem. Diante de tais fatos, é sempre bom recordar a citação de São Roberto Bellarmino (os leitores antigos do Tubo já conhecem, mas ela é tão boa que repetir nunca é demais): para o cardeal inquisidor, diante de um fato científicamente comprovado que pareça contradizer a Bíblia, nunca se deve descartar o fato; melhor é admitir que provavelmente é a nossa interpretação da Bíblia que está errada.
Obviamente a pessoa precisa apoiar sua fé em bases sólidas; imaginemos esses casos do tipo “Nossa Senhora da Vidraça”. Um time de cientistas vai lá e descobre que a tal imagem nada mais é que resultado de uma série de fenômenos físico-químicos causados por certas condições meteorológicas. Eu, como católico, jamais entenderia se um outro católico passasse a questionar sua fé, ou ficasse profundamente desiludido, por causa disso. A ciência tem muitos méritos, e um deles é purificar a religião de comportamentos supersticiosos. Da mesma forma, se existir algum criacionista de Terra jovem leitor do Tubo, gostaria que explicasse por que a questão da idade da Terra é tão fundamental. Afinal, pelo menos da maneira como vejo, se o universo tiver 13 bilhões de anos (em vez de 6 mil) isso não torna Deus menos poderoso, menos criador ou menos pessoal, e nem torna a Bíblia menos verdadeira.
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