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A essa hora quase todo mundo já viu as lamentáveis (para não usar palavra pior) afirmações racistas do cônsul haitiano no Brasil, para quem o terremoto que devastou Porto Príncipe tem ligação com as práticas religiosas haitianas. A imbecilidade alheia, no entanto, permite que analisemos uma das questões que todos costumam fazer em horas de tragédias como essas: por que essas coisas acontecem?

Já vi algumas pessoas esgrimindo versículos bíblicos (especialmente aqueles em que Jesus diz que não cai um fio de nossos cabelos sem permissão de Deus) como se Deus ficasse numa nuvem apontando o dedo para as pessoas e para os lugares, dizendo “você aí, câncer de pulmão”; “aquela outra lá, gravidez”; “cidade tal, enchente”; “aquele outro lugar ali, poço de petróleo”. Com uma Bíblia mal lida em mãos, é fácil sucumbir à tentação de ver vontade divina em fenômenos naturais. Mas a verdade é que a ciência explica exatamente como as pessoas engravidam ou desenvolvem câncer de pulmão; ou enchentes e terremotos acontecem.

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Por ocasião do terremoto no Haiti, o astrônomo Salman Hameed recuperou um texto escrito há alguns anos, quando um tremor devastou o norte do Paquistão, matando 100 mil pessoas. Em Nature and natural disasters, Hameed diz que a explicação divina para essas catástrofes era a usual até a ciência nos dar uma explicação para os fenômenos naturais, e que um acontecimento vital para essa mudança de mentalidade foi o terremoto de Lisboa, no século 18. Ainda assim, alguns estudiosos muçulmanos, em pleno século 21, ainda atribuíam causas sobrenaturais ao terremoto do Paquistão (e eu acrescento que eles não estão sozinhos: o arcebispo emérito de Nova Orleans, Philip Hannan, disse que o furacão Katrina era um castigo à imoralidade da população da cidade).

Há uns tempos, um comentarista me perguntou sobre a contribuição da ciência para a religião, e aproveito a oportunidade para dar a resposta que não dei naquela oportunidade: como diz o cardeal Schönborn, a ciência “purifica” a religião, removendo dela o que é superstição. Eu diria que a ciência ensina o crente a dar a Deus o que é de Deus e dar a Darwin, a Einstein, a Newton e a Mendel o que é de Darwin, de Einstein, de Newton e de Mendel. Por isso as pessoas religiosas deveriam respeitar a ciência: ela também os ajuda a prestar um culto correto.

Hameed continua abordando o extremo oposto aos que querem ver a vontade divina em tudo, e cita um outro pesquisador muçulmano para quem, se os desastres são realmente “aleatórios”, então não há nada além desse mundinho, e bem podemos cruzar os braços e esperar a morte chegar. Hameed condena essa falta de esperança e mostra que “há alegria em descobrir o funcionamento da natureza”. O blogueiro lembra que conhecer os mecanismos naturais, longe de abalar nossa esperança, deveria reforçá-la ao incentivar a pesquisa de maneiras para salvar mais pessoas. E conclui dizendo que isso só será possível quando pararmos de procurar explicações sobrenaturais para fenômenos naturais. Uma lição que não só os muçulmanos citados no texto de Hameed precisam aprender.

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