Tempos atrás, ficou famoso por aqui o Diagrama de Nolan, uma ferramenta que situava melhor as convicções políticas das pessoas para além de simplesmente “esquerda” e “direita”, com eixos que representavam a liberdade pessoal e a liberdade econômica. Depois de responder a uma série de perguntas, você via sua posição no gráfico e podia compará-la com a de outras pessoas e até de políticos e personalidades, desde que elas também tivessem feito o teste ou suas respostas àquelas questões fossem conhecidas. É uma ferramenta bem útil, por exemplo, para descobrir que candidato tem posições mais parecidas com as suas.
Pois o Instituto Faraday para Ciência e Religião, da Universidade de Cambridge, e o think tank Theos lançaram um equivalente do Diagrama de Nolan para você descobrir onde se situa em questões de ciência e fé. Você precisa responder se concorda ou discorda de 40 afirmações (dá para discordar/concordar muito ou pouco, e também tem o “não concordo nem discordo”), e com isso a ferramenta vai lhe entregar um “termômetro” de compatibilidade entre ciência e fé, e vai colocá-lo em um diagrama no qual o eixo horizontal é a sua atitude em relação à ciência e sua capacidade de explicar a realidade, e o eixo vertical é a forma como você enxerga a religião, se ela tem mais a ver com crenças ou com preceitos morais.
Um cuidado interessante que os criadores da ferramenta tiveram foi o de não considerar que o oposto do cientificismo é o negacionismo científico; na outra ponta do eixo está o que eles chamaram de “pluralismo”, ou seja, a ideia de que a ciência é um dos meios de atingir conhecimento, mas longe de ser o único. Da mesma forma, o eixo vertical não tem nada a ver com ser mais ou menos religioso (como se ateus necessariamente fossem ficar mais para baixo no gráfico e os religiosos, mais para cima), e sim sobre o que, na sua opinião, constitui a essência, ou o principal, do fenômeno religioso: se ele é principalmente um conjunto de regras morais ou de comportamento ou se é principalmente um conjunto de afirmações/crenças/dogmas sobre a existência de Deus e sobre como Ele se revela à humanidade, sobre o mundo sobrenatural, sobre a vida após a morte etc., embora uma “ponta” não exclua a outra.
Eu fiz o teste, e tive o seguinte resultado:
O quadrante em que fiquei é definido como “Diferentes caminhos para a verdade, e um deles é o religioso”:
“Você acredita que a religião lida com o transcendente, o espiritual ou o sobrenatural. Você acredita que a religião trata da Verdade, ou ao menos de algumas verdades. Você também crê que a ciência não é a única forma de chegar à verdade, e por isso há espaço para verdades religiosas e para a revelação. Você admite que há potencial para alguma tensão, mas não vê a necessidade de uma hostilidade ou competição entre ciência e fé. Considerando isso, você provavelmente estará mais para o lado ‘quente’ do termômetro de ciência e religião.”
(De fato eu fiquei ali no laranja, mas podia jurar que ficaria mais pro vermelho no termômetro...)
E ainda descobri que quem teria concepções sobre ciência e sobre religião mais próximas das minhas (representadas pelo pontinho laranja) seria Galileu Galilei!
Voltando àquilo que comentávamos sobre o eixo vertical, reparem especialmente em dois pontinhos ali, do Novo Ateísmo e de Stephen Jay Gould: são todos não crentes, mas que estão em quadrantes opostos em relação a esse eixo. Os ateus militantes ficaram no mesmo nível de Newton e Faraday, e até acima de Maxwell, um cientista profundamente devoto. Isso porque eles enxergam a religião como algo mais ligado a crenças que à moralidade – a diferença é que, ao contrário de Faraday e Maxwell, eles consideram todas essas crenças bobagem pura. Já para Gould a religião é algo “dedicado à busca do consenso, ou ao menos de um esclarecimento de pressuposições e critérios, a respeito do ‘deve ser’ ético, mais do que uma busca de um ‘é’ factual”, como ele define em seu livro Pilares do tempo, ou seja, é mais moralidade que doutrina. Esse entendimento da religião, aliás, é um pressuposto para os seus Magistérios Não Interferentes, o que traz uma série de dificuldades, como expliquei no finzinho de minha resenha do livro de Gould.
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