No nosso especial Darwin, faz algumas semanas, vimos que o criacionismo de Terra jovem ganhou um grande impulso apenas após a divulgação de um livro chamado The Genesis flood, de Morris e Whitcomb. Segundo uma das alegações básicas do livro, o mundo é da maneira como é atualmente por causa de um dilúvio universal, que moldou as formações geológicas e depositou os fósseis nos lugares onde têm sido encontrados. Não chegava a ser uma ideia exatamente nova, pois já vimos que na época de Nicolau Steno se pensava a mesma coisa, embora com menos requinte, digamos, “científico”.
Por isso achei muito interessante um FAQ publicado no TalkOrigins, o site que arquiva as discussões de um grupo de e-mail sobre a origem da vida. É até bem antigo, de 1998, mas pelo que li continua atual. Esse FAQ mostra quais são os problemas práticos que viriam de uma leitura 100% literal da história do Dilúvio.
De fato, lendo o texto, vemos que seria praticamente impossível acomodar numa arca de madeira tantos animais, inclusive dinossauros, e mantê-los vivos sem que se devorassem uns aos outros ou morressem de fome (ou morressem de velhos mesmo, já que algumas espécies têm vida muito curta) durante o tempo da duração do Dilúvio. Até porque as medidas dadas pelo Gênesis para a arca não seriam suficientes para colocar todo tipo de animal lá dentro, como defende o texto bíblico.
Outras questões práticas: de onde veio tanta água? Várias hipóteses são formuladas, inclusive as apresentadas pelos mais famosos criacionistas de Terra jovem. Nenhuma delas, no entanto, é cientificamente viável. E a conformação geológica do planeta após o dilúvio? E a sobrevivência e distribuição dos animais após a enchente?
Por último, temos os problemas lógicos, filosóficos e teológicos de um dilúvio universal. O autor do FAQ levanta um ponto interessante no início do texto: Deus, sendo onipotente, poderia muito bem ter feito com que o Dilúvio ocorresse exatamente da maneira como está descrito no Gênesis, por meio de uma série de milagres. Aliás, Deus poderia ter inundado a Terra ontem, refeito tudo hoje de manhã e apagado das nossas memórias qualquer conhecimento sobre a enchente de ontem. Mas isso se choca com a visão (abraçada pelo cristianismo, inclusive) de que pela ciência descobrimos a verdade sobre o mundo natural. Ora, se Deus fez as coisas de um jeito, mas também fez com que elas parecessem ter sido feitas de outro jeito completamente diferente, como quem altera a cena de um crime, então a ciência não está descobrindo verdade nenhuma, mas apenas coisas que parecem ser verdade sem que o sejam. Esse não seria o Deus que conhecemos e que deseja que as pessoas cheguem ao conhecimento da verdade.
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