O Reino Unido, confesso, já me encantou mais. Hoje, não consigo deixar de pensar no país como aquele em que a Justiça manda matar crianças como Charlie Gard e Alfie Evans, e agora até ordena abortos contra a vontade da mãe. Mas continuo gostando muito de Londres, onde mais uma vez passei uns poucos dias antes de vir para Birmingham, de onde escrevo e onde participarei de um congresso que começa nesta quinta-feira. Normalmente, minhas vindas a Londres significam visitas obrigatórias à Abadia de Westminster e à Tower of London, mas não desta vez. Fui à cidadezinha de Downe, na região metropolitana, para conhecer a Down House, onde Charles Darwin morou com a família por mais de quatro décadas. Sugestão do Heslley Machado Silva, que acabou tendo de refazer os planos e deixar para viajar na véspera do congresso. Mas a essa altura eu já estava decidido a visitar a casa, e fui sozinho mesmo.
Darwin, Emma e os dois filhos mais velhos, William e Annie, se mudaram de Londres para a Down House em 1842. Darwin já estava mastigando as ideias que dariam na Teoria da Evolução, embora só fosse publicar A origem das espécies em 1859. Longe do agito, financeiramente estável graças ao pai, sem precisar dar aulas ou vender espécimes para se manter, Darwin teve as condições para trabalhar com afinco nas suas teorias, com exceção dos períodos em que ficava doente (e não foram poucos). Os jardins e a estufa serviam para as mais diversas experiências, e uma trilha chamada Sandwalk era o lugar onde o naturalista se isolava para pensar. No estúdio, Darwin fazia outros experimentos e escrevia cartas aos montes. Passear por esses cômodos é estar no lugar onde uma das ideias mais revolucionárias da história da humanidade ganhou forma e foi aprimorada.
Mas enxergar a Down House apenas como o laboratório onde a Teoria da Evolução se consolidou é muito pouco. Ali viveu uma família, ali nasceram oito dos dez filhos de Charles e Emma, ali as crianças passaram uma infância ao lado de um pai e mãe bastante presentes, segundo os relatos. Ali Emma entretinha o marido lendo e tocando piano, e as crianças desciam a escada em um tobogã improvisado. Hoje, a maioria dos quartos do andar superior abriga painéis sobre a viagem de Darwin no Beagle e sobre a Teoria da Evolução (o painel sobre as controvérsias religiosas, aliás, podia ser bem melhorado), mas na época de Darwin eram simplesmente quartos de crianças, como em tantas outras casas. Houve o gênio, mas também houve o pai; e, ao ver na casa objetos da filha Annie, é inevitável recordar o livro que acabei de ler e que inclui os detalhes dos dias finais da filha favorita, cuja agonia Darwin acompanhou noite e dia.
De volta ao ponto de ônibus, havia tempo para olhar as lápides do cemitério da igreja de Downe. Ali estão enterrados Mary e Charles, os outros dois filhos que, além de Annie, não sobreviveram à infância – Mary morreu com três semanas de vida, logo depois da mudança da família para a Down House. Parado diante do túmulo, rezei pelas almas das crianças, e também de seu pai; que no último momento ele possa ter encontrado, reconhecido e amado o Autor daquelas "infinitas formas, as mais belas e maravilhosas".
Como chegar à Down House? saindo de Londres, há duas opções: pegar um trem até Bromley South, e depois o ônibus 146 até Downe, caminhando mais uns 15 minutos; ou pegar o trem até Orpington, e depois o ônibus R8, que para bem na frente da casa. Os trens são frequentes, mas os ônibus passam de hora em hora na melhor das hipóteses. O Google Maps ajuda a otimizar a viagem: se você não tiver de esperar muito pelo ônibus, o trajeto todo vai levar perto de uma hora.