A entrevista que o papa Francisco deu no avião, entre o Sri Lanka e as Filipinas, durante a viagem que ainda está em curso, repercutiu no mundo inteiro principalmente por suas palavras em relação ao atentado contra a Charlie Hebdo e à liberdade de expressão. E nem poderia ser diferente. Mas a primeira pergunta feita ao pontífice durante o voo foi sobre outro tema: a questão ambiental. Jerry O’Connell, da revista America (suponho que seja a publicação jesuíta), lembrou que nas Filipinas o papa visitaria a região atingida pelo tufão Haiyan (também chamado Yolanda) e encontraria sobreviventes da tragédia, e perguntou sobre a participação humana no aquecimento global e sobre a prometida encíclica a respeito de temas ambientais.
O Vaticano ainda não providenciou traduções oficiais em outros idiomas da entrevista. Temos a versão em italiano, e nela ficam evidentes algumas coisas. Para Francisco, sim, a maior responsabilidade nas mudanças climáticas é do homem (ele usa uma expressão em italiano, prendere a schiaffi, que é empregada em um contexto de agressão). O pontífice cita o caso do desmatamento na Amazônia, um problema de cuja importância ele não tinha tomado consciência até o encontro dos bispos latino-americanos em Aparecida (SP), em 2007; critica as monoculturas que exaurem a terra; e elogia o patriarca ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu, chamado por muitos de “patriarca verde” justamente por sua preocupação ambiental. Francisco diz que está lendo muitas coisas dele para compor sua encíclica.
E, falando do texto, explica que o cardeal Peter Turkson (ganês que preside o Pontifício Conselho Justiça e Paz) e sua equipe prepararam uma versão inicial, em cima da qual o próprio Francisco trabalhou para a segunda versão. Ele e alguns teólogos voltaram ao texto e chegaram a uma terceira versão, enviada à Congregação para a Doutrina da Fé, para a Secretaria de Estado e para o teólogo da Casa Pontifícia (o dominicano polonês Wojciech Giertych) para revisão, sugestões e correções. Francisco já recebeu as respostas (“algumas delas bem extensas”, disse), e vai tirar uma semana em março para finalizar o texto, e só quando as traduções estiverem prontas a encíclica pode ser divulgada, o que, pela estimativa do papa, deve ocorrer entre junho e julho. O papa não quer que a publicação demore muito mais porque pretende que o texto seja lido e absorvido com calma antes da COP21/MOP11, evento da ONU previsto para ocorrer em Paris no fim do ano; aliás, Francisco encerrou suas observações sobre o tema mostrando sua decepção com os pífios resultados da COP20/MOP10, encerrada no Peru em dezembro.
Um dia antes da entrevista do papa Francisco no avião, entidades católicas de vários países anunciaram o lançamento do Movimento Global Católico do Clima, grupo que pretende conscientizar os católicos sobre a importância da preservação do meio ambiente. Vale a pena ler a declaração.
A reportagem de David Gibson sobre o lançamento desse grupo ainda afirma que alguns católicos (tratados pela imprensa como “conservadores”) não estão aprovando toda essa ênfase ambiental do papa. Há quem ache que isso não é tema para um pontífice tratar, ou que há temas mais prioritários. Há uma preocupação legítima com um possível uso político-ideológico do texto da futura encíclica. E já há quem diga que o documento pode ser simplesmente ignorado. Claro que esses argumentos são rebatidos, e muitas vezes por outros católicos classificados como “conservadores”. É evidente que afirmações sobre o aquecimento global ser ou não majoritariamente antropogênico são opiniões do papa (e ele não as está baseando em achismo, mas em fontes importantes) que um católico pode até questionar. Mas os preceitos morais ligados ao cuidado com a criação são, sim, obrigatórios para um fiel. De qualquer maneira, há muita falação e o texto nem apareceu ainda. Um pouco de paciência não faz mal.
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