Parece que a procura acabou, agora só faltam acertar uns detalhes: hoje, o Cern, em Genebra, anunciou a descoberta do bóson de Higgs, ou a “partícula de Deus”. O palavreado usado pelo próprio Cern tem a prudência característica dos cientistas e que às vezes irrita os jornalistas (pelo menos aqueles que precisam de manchetes, mas gostam de ter certeza absoluta do que vão botar na capa do jornal ou do site): o bichinho é chamado de “novo bóson”, ou “partícula consistente” com o bóson de Higgs. No máximo, chamam de “Higgs-like particle”. Mas, afinal, é ou não é? Segundo a New Scientist, a chance de não ser é de 5 em 10 milhões, suficiente para bater o martelo.
Em poucas palavras, o bóson de Higgs é o responsável, no Modelo Padrão (uma teoria que explica as partículas fundamentais e a interação entre elas), por dar massa às partículas. Não terminei ainda de ler o livro do Leon Lederman, mas sei que o apelido de “partícula de Deus”, segundo o autor, veio porque esse bóson é tão essencial e ao mesmo tempo tão esquivo (e, claro, há também o golpe de marketing do editor, que não curtiu muito o título original, The Goddamn particle). O simples fato de o bóson ser o responsável por dar massa a outras partículas já justificaria o apelido, pois, sem o Higgs, o universo não teria matéria, seria energia pura. Confiram a explicação do físico John Ellis neste vídeo:
O pessoal do Cern estava caçando o bóson de Higgs no Grande Colisor de Hádrons, aquele acelerador de partículas que, diz a lenda, criaria um buraco negro que acabaria com o planeta. Em poucas palavras, os cientistas do LHC estavam jogando feixes de prótons uns contra os outros e acompanhando o que resultaria do choque. Pelo que entendi da coisa, os cientistas não chegam a “ver” o Higgs propriamente dito, mas percebem que, após o choque, surgem outros tipos de partículas, já conhecidos, exatamente do modo como a teoria prevê que aconteceria em caso de interação com o bóson de Higgs. O texto da Science mostra que foram observados fótons e bósons Z e W como resultado dos choques no LHC.
O escocês Peter Higgs não gosta do apelido “partícula de Deus”. Uma materinha do Estadão, do fim do ano passado, diz que Higgs propôs o bóson justamente por ser ateu e buscar uma explicação para o fato de as partículas terem massa sem recorrer ao sobrenatural. Se for isso mesmo, temos um caso clássico de uma teoria acertadíssima, apesar das motivações erradas.
Nas próximas horas ficarei de olho em possíveis repercussões do anúncio de hoje no campo da relação entre ciência e fé. Como há muitos físicos que atuam nesse diálogo, é bem possível que acabem entrevistados mais cedo ou mais tarde. De qualquer modo, meu palpite é que isso não muda muita coisa; só reforça a noção de que Deus criou um universo que “se faz” sozinho e o sustenta com Sua vontade, em vez de ser um Deus que apenas dá o pontapé inicial e cai fora, ou um Deus que cria o universo e precisa ficar interferindo nele periodicamente para que as coisas aconteçam. Meu amigo Alexandre Zabot, da UFSC, tem a mesma impressão: “ao meu ver não há nada que vá mudar porque se trata simplesmente de dar uma espécie de ‘fechamento lógico’ ao Modelo Padrão”, afirmou. Para ele, o impacto vai se limitar à ciência. “Se esta descoberta for confirmada mesmo, lança ainda mais descrédito sobre as chamadas Teorias de Supercordas, que, até o momento, não passam de teorias altamente especulativas”, acrescentou. Já Jeff Zweerink, do grupo criacionista (de Terra antiga) Reasons to Believe, afirmava, dias atrás, que, se a existência do bóson de Higgs fosse confirmada, reforçaria a noção de uma sintonia fina no universo necessária para o surgimento da vida.
Atualização (14h55 de quarta): A revista The Economist publicou uma infografia que mostra como o bóson de Higgs era mesmo esquivo: foi a partícula que levou mais tempo entre sua formulação teórica e sua comprovação empírica.
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