Pelos Laboratórios Cavendish, da Universidade de Cambridge, já passaram cerca de 30 vencedores do Prêmio Nobel. Foi lá que James Watson e Francis Crick descobriram a estrutura do DNA, em 1953. E tanto no prédio antigo quanto no atual, pesquisadores, funcionários e visitantes são recebidos com um trecho do Salmo 110: “Grandes são as obras do Senhor, dignas de admiração de todos os que as amam”. Para o cientista Andrew Briggs, professor de Nanomateriais na Universidade de Oxford, não há nada de contraditório nisso – na verdade, é o contrário. No livro A penúltima curiosidade, escrito em parceria com um amigo, o artista Roger Wagner, a dupla percorre a história da religião, da filosofia e da ciência para explicar que o desejo humano de entender como o mundo funciona nasceu justamente das grandes perguntas que o homem se faz desde a pré-história e que geraram a admiração do salmista. No fim do ano passado, durante a segunda convenção nacional da Associação Brasileira dos Cristãos na Ciência, Briggs conversou com a Gazeta do Povo sobre seu livro e sobre como reunificar curiosidades que a história e a má filosofia separaram.
Por que “penúltima curiosidade”? E qual seria, então, a “última curiosidade”? Como elas se relacionam?
A metáfora central que usamos no livro é a de pássaros voando em V. Os gansos canadenses são especialmente famosos por isso, mas vários outros pássaros fazem o mesmo, qualquer um pode vê-los no céu. A ave da frente faz o trabalho duro, e as que estão atrás se beneficiam do vórtice criado pelo bater das asas. E esses pássaros são tão espertos que sabem até mesmo o melhor jeito de bater as asas para criar o máximo de arrasto. É a mesma coisa em provas de ciclismo como a Volta da França, quando os atletas pedalam em um pelotão; os de trás aproveitam o vácuo criado pelos ciclistas da frente. Nós descobrimos que esses exemplos descrevem muito bem a forma como muitas culturas e comunidades, ou mesmo indivíduos, ao longo do tempo, demonstraram uma curiosidade muito profunda sobre as grandes questões, as mais importantes que podemos nos perguntar, aquelas questões sobre nós mesmos, sobre se há algo para além da nossa existência. Essa é a “última curiosidade” – “última” no sentido de mais importante ou fundamental, definitiva. E foi ela que criou o ambiente propício para a “penúltima curiosidade”, aquela sobre o mundo material – o que conhecemos hoje como “ciência”. A curiosidade científica, então, veio no vácuo da curiosidade metafísica e se beneficiou do esforço feito por ela.
Mas hoje nem todo mundo trabalha movido por ambas as curiosidades. Como elas se separaram?
Os filósofos iluministas fizeram um uso distorcido da mecânica newtoniana, e foram seguidos por outras filosofias reducionistas, como o marxismo e o positivismo, a ponto de hoje essas duas curiosidades parecerem totalmente afastadas. Então, hoje temos esses “adolescentes filosóficos”. Qualquer pai de adolescente sabe que o filho às vezes entra em uma fase em que ele não consegue acreditar em quão estúpidos seus pais são. Claro, você vai se perguntar como é que esses adolescentes conseguem ser tão brilhantes quando os pais são tão ignorantes (risos). Hoje muitos cientistas se comportam como esses adolescentes, achando que as culturas das quais eles vêm não têm nada para oferecer.
Mas vários desses “adolescentes” estão em posições de destaque, influenciando pessoas.
Estão mesmo. E temos de reconhecer que existem muitos cientistas brilhantes que não têm nenhuma religião, e dizem não acreditar em Deus. Isso não deveria nos surpreender, porque os métodos que hoje vemos como a forma “científica” de estudar o mundo têm várias fontes diversas. Houve forte influência grega, islâmica, chinesa e, obviamente, uma enorme influência cristã, especialmente a partir do século 6.º. E, claro, puxando a brasa para a minha sardinha, já que sou de Oxford, a influência dessa universidade a partir do século 17 também foi considerável. Graças a todas essas correntes as pessoas perceberam que o mundo é ordenado, que ele pode ser estudado com precisão matemática. E, uma vez tendo estabelecido isso, é perfeitamente possível seguir em frente com a ciência sem crer em Deus. Minha opinião pessoal é de que a alegria e o prazer do trabalho científico são enriquecidos pela crença em Deus, mas também entendo, e não me surpreende, que é possível ser ótimo cientista sem ter essa fé.
Fica faltando algo nessa ciência motivada pela penúltima curiosidade, mas que despreza a última curiosidade? O que se perde ao jogar fora a última curiosidade?
Eu inverteria o raciocínio. Prefiro pensar em como a ciência se enriquece quando é feita no contexto da última curiosidade. E ela se enriquece quando você conhece o Criador cuja obra está estudando. Eu escrevi A penúltima curiosidade junto com um artista que conheço desde nossos dias de estudante. Fiquei amigo de Roger muito antes de conhecer as suas pinturas – na verdade, nós nos conhecemos desde antes de ele ter feito suas obras mais importantes. Sendo seu amigo, eu já sabia das paixões que o animam e sobre como ele vê a vida. Então, quando descobri suas pinturas, eu as via dentro do contexto da nossa amizade. Claro, é perfeitamente possível que alguém que não conheça Roger veja e aprecie suas pinturas, por elas mesmas, e muita gente faz isso. Não é que eles estejam perdendo alguma coisa. Mas para nós, que conhecemos Roger e somos seus amigos, a apreciação de sua obra artística é enriquecida pelo relacionamento que temos com quem a fez.
No caso daqueles que fazem ciência tendo perdido de vista a “última curiosidade”, é possível fazê-los ver que ela existe?
Existem muitos cientistas, inclusive de renome internacional, que de fato se preocupam muito com essas questões importantes; então, eu diria que eles têm, sim, uma “última curiosidade”, mesmo que cheguem a conclusões diferentes das minhas. Eu os respeito por isso e vários deles são amigos queridos. O problema é o que fazemos com as pessoas que consideram ciência e fé incompatíveis, que dizem ser preciso escolher uma delas, pois não há como ter ambas. Temos de mostrar a essas pessoas que a evidência empírica está contra elas: existem inúmeras pessoas muito inteligentes, entre as quais vários grandes cientistas, que são felizes e bem-sucedidas combinando ciência de ponta e uma profunda fé religiosa.
O que há de peculiar ou especial em um cientista cristão? Afinal, todos trabalham com os mesmos temas, usam os mesmos instrumentos, os mesmos laboratórios, os mesmos objetivos...
Na maior parte das vezes você não vai ver diferença alguma, para ser honesto. Mas há outras ocasiões em que há algo diferente no ar, e vou dar exemplos da minha área de trabalho. No laboratório, desenvolvemos materiais para tecnologia quântica, e têm havido algumas questões bem profundas, que datam do início da teoria quântica, sobre como ela pode alterar nosso entendimento da realidade. Antes da teoria quântica, nós costumávamos achar que entendíamos a realidade. Esse telefone que você usa para me gravar é real. Aquela bola ali é real. Então, pensamos que a ciência está tentando nos dar a descrição mais precisa possível de uma realidade que está ao nosso alcance. Mas alguns aspectos disso foram virados de cabeça para baixo quando a teoria quântica foi formulada. Vejamos uma pergunta até que básica: o estado quântico é real ou não? E os cientistas que trabalham nesse campo não conseguem chegar a um acordo sobre a resposta a essa pergunta. Pode ser que, no fim das contas, a natureza do que chamamos “realidade” é mais interativa, mais dependente da interação entre o estado quântico e o observador. Pode ser uma abordagem melhor para o tema. E isso nos traz novas formas de pensar sobre outros tipos de realidade. Veja só, eu sou um cristão, e afirmo que Deus é real. Portanto, minha fé cristã é uma crença em coisas que são reais, e a teologia deveria buscar descrições precisas e úteis dessa realidade. Mas, da mesma forma que precisei rever meus conceitos sobre a realidade à luz da teoria quântica que desenvolvemos, talvez os velhos conceitos de realidade não sejam totalmente adequados para a realidade divina. Talvez exista algo mais relacional também aí. Este é um exemplo.
Um outro caso é o de uma empresa que está desenvolvendo novas tecnologias para sintetizar DNA. Eu faço parte do conselho, e os diretores me convidaram em parte porque eu conheço algo sobre as técnicas científicas usadas para esse objetivo, mas também porque, desde o começo, eles queriam refletir sobre as implicações éticas desse trabalho. Supondo que consigamos sintetizar DNA – e realmente somos capazes disso –, e a tecnologia evolua a ponto de termos DNA que pode ser incorporado em humanos, como essa tecnologia pode ser usada de forma boa e benéfica? E que outras possíveis aplicações deveriam nos preocupar? Para responder a isso, bem, você precisa saber o que significa ser humano. Como é um ser humano? Como ele poderia ser? O que é ser plenamente humano, florescer como humano? Como podemos incrementar o ser humano? Veja que estou usando deliberadamente alguns termos que sugerem emoções, porque são perguntas bem complicadas. Mas o cristianismo vem pensando há muito tempo sobre o que significa ser humano, e antes disso o judaísmo também já se fazia essas perguntas. Acho que temos alguma contribuição a dar quando esses temas aparecem ligando ética e tecnologia.
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