Georges Lemaître (ao centro) com Albert Einstein e Robert Millikan, diretor do California Institute of Technology, após palestra de Lemaître no Caltech em 1933.| Foto: Domínio público
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Convém fazer festa, porque este vídeo estava perdido, e foi achado. É parafraseando o pai misericordioso da parábola que retomamos a coluna, comentando a grande descoberta do fim de dezembro de 2022: a íntegra de uma entrevista do padre-astrônomo belga Georges Lemaître à BRT, antecessora da VRT, o canal público de televisão dirigido à comunidade de língua flamenga na Bélgica. A entrevista foi realizada em 1964, dois anos antes da morte de Lemaître e pouco antes de começarem a aparecer as evidências mais robustas que confirmavam o modelo do Big Bang; na ocasião, apenas uma parte da entrevista havia sido levada ao ar (o que é costumeiro especialmente na televisão, onde tempo é um item escasso); a íntegra tinha se perdido devido a um erro na hora de catalogar o material, explicou Kathleen Bertrem, do arquivo da VRT, que comparou a descoberta a achar uma agulha em um palheiro, até porque o nome de Lemaître havia sido escrito incorretamente.

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A entrevista ao jornalista Jerome Verhaeghe foi feita em francês, e o vídeo original está legendado em holandês. Já existe uma tradução não oficial para o inglês, e a partir dela alunos do Projeto Astrofísica para Todos, da UFSC, coordenado pelo professor Alexandre Zabot, elaboraram uma tradução para o português:

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No início, Lemaître se empenha em explicar sua teoria em oposição à do universo estacionário, defendida por Fred Hoyle, o maior adversário do Big Bang – o sacerdote inclusive explica por que algumas das críticas de Hoyle nem chegam a abalar a ideia do “átomo primordial” (Lemaître evita ao máximo usar “Big Bang”). Apenas mais para o fim da conversa o entrevistador e o astrônomo entram nos temas mais, digamos, metafísicos, tratando de possíveis implicações religiosas ou filosóficas do Big Bang. É quando Lemaître retoma algo que se esforçou em deixar claro praticamente desde o primeiro momento em que propôs um início para o universo: que este início não se confunde com a noção filosófica ou religiosa de criação. “Respondendo à sua pergunta e descartando exatamente aquilo que muita gente espera, eu não defendo o átomo primordial baseado em qualquer ‘segunda intenção’ de cunho religioso”, afirma Lemaître, rebatendo ao mesmo tempo os antirreligiosos que acusavam o Big Bang de não passar de cavalo de Troia para dar um verniz científico à fé na criação e os religiosos que viam na teoria de Lemaître a “comprovação científica” da criação divina.

O que Lemaître afirma, mais para o fim da entrevista, é que Deus não funciona como querem os deístas, alguém que simplesmente deu um peteleco inicial no universo e pronto, sendo o Big Bang esse peteleco. “Para resumir, o senhor se recusa a aceitar a ideia de que Deus é a explicação para o movimento das galáxias”, diz Verhaeghe. “É claro, isso nem é preciso dizer”, exclama Lemaître, para acrescentar que Deus sustenta o universo, mas não como o “relojoeiro de Voltaire” – para entender melhor como Deus é a causa de tudo o que existe, recomendo a entrevista que William Carroll, da Universidade de Oxford, deu ao Tubo de Ensaio em 2017.

O que eu destaco nessa entrevista de Lemaître é sua preocupação em não simplificar demais as coisas nem criar mal-entendidos. Em várias ocasiões ele afirma que os temas de que estão tratando são bastante complexos para que fiquem esgotados em uma entrevista jornalística, e remete a outros trabalhos seus, como conferências. Considerando a revolução que o Big Bang trouxe para a cosmologia, e como o preconceito antirreligioso atrapalhou sua recepção, contaminando uma avaliação que deveria ser puramente científica, o cuidado de Lemaître se justifica; ao lado de outros episódios, como o da remoção voluntária de trechos do seu artigo original de 1927 quando da republicação de 1931, em inglês, ele ajuda a consolidar a imagem do padre-astrônomo como alguém que soube conjugar uma grande honestidade intelectual com uma profunda humildade.

Confira também a live que o professor Alexandre Zabot fez no dia 15 de fevereiro, comentando a entrevista de Lemaître:

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Mega-apostolado católico lança “Wonder”, série sobre ciência e fé

O apostolado Word on Fire, do bispo Robert Barron, está agora trabalhando com temas de ciência e fé, o que é espetacular. Com apoio financeiro da Fundação John Templeton, o Word on Fire promoveu uma conferência em janeiro, lançou um curso e produziu a série Wonder, que está disponível gratuitamente no YouTube. Os cinco episódios já estão no ar, e são ao mesmo tempo visualmente maravilhosos, profundos e acessíveis em suas reflexões. Confira aqui todos eles:

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Conupes, em Juiz de Fora, tem inscrições abertas

O Núcleo de Saúde e Espiritualidade da Universidade Federal de Juiz de Fora (Nupes-UFJF) realizará, no fim de maio, seu quarto congresso internacional. O Conupes 2023 tem como principal convidado o médico Christopher Kerr, que lidera uma equipe de pesquisa sobre experiências de fim de vida em pacientes de cuidados paliativos no Hospice & Palliative Care, em Buffalo, estado de Nova York. Ele estará em uma mesa-redonda com o tema “Terminalidade” e dará uma palestra sobre “Validando sonhos e visões no morrer”. O evento terá muitos outros convidados do país inteiro, incluindo este colunista – participarei de uma mesa-redonda sobre “Espiritualidade, jornalismo e divulgação científica”. As inscrições para o Conupes já estão abertas e há taxas com desconto para estudantes e grupos de profissionais.

Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião de 2023 será em setembro, na Argentina

A Universidade Católica de Salta, na Argentina, receberá o XI Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião, de 27 a 29 de setembro, com o tema “Fim (e finalidade?) do universo – Cientistas, filósofos e teólogos em busca de sentido”. Como em todo congresso acadêmico, os interessados podem enviar propostas de apresentação, e o prazo termina em 2 de maio. Já participei de um desses congressos, em 2011, na Cidade do México, e foi uma experiência tremendamente enriquecedora. É muito bom conhecer o que está sendo produzido de interessante em nossa região, e um pouco disso está em um dos frutos desses congressos, a revista Quaerentibus.

Primeiro livro do Tubo de Ensaio está em pré-venda

As entrevistas que fiz ao longo desses quase 15 anos de Tubo de Ensaio estão reunidas em livro! A razão diante do mistério da existência chega às livrarias em maio, pela editora Noetika, e já está em pré-venda com desconto de 30% para quem usar o cupom NOETIKA30. Os entrevistados incluem Marcelo Gleiser, o cardeal Gianfranco Ravasi, George Coyne, Guy Consolmagno, Jennifer Wiseman, William Lane Craig, Karl Giberson e Nick Spencer.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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