Em junho do ano passado, eu trouxe para o blog um texto sobre as “falhas de projeto” do olho humano, que por exemplo tem de mais músculos do que o necessário para girar o globo ocular, sem falar do ponto cego. Volto ao assunto porque nesta semana o geneticista John Avise, da Universidade da Califórnia/Irvine, publicou um estudo catalogando as inutilidades que carregamos em nosso genoma. É o que diz este artigo de Philip Ball no site da revista Nature (atualização às 17h24 de 5 de maio: o paper de Avise no Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA está aqui; obrigado ao Paulo Cruz e ao Angelus pelo link).
Em poucas palavras, o que Ball afirma, baseado no trabalho de Avise, é que nosso genoma tem várias sequências repetidas e fragmentos aparentemente inúteis, aumentando a chance de que alguma coisa saia errado no processo de reprodução celular, o que acaba levando a doenças genéticas (uma turma da Universidade de Cardiff, no País de Gales, mantém um banco de dados de mutações genéticas ligadas a doenças). É o tipo de realidade que, mais uma vez, apresenta um desafio aos defensores do Design Inteligente, pelo menos para aqueles que identificam o designer como Deus. O que Ball e Avise dizem é que, ainda que no futuro se descubra uma função para as repetições e fragmentos, por exemplo, um genoma como o nosso, por mais sensacional que ele seja (e é), não chega a ser nenhuma maravilha do design, mas é compatível com uma visão evolucionária do processo que trouxe o nosso material genético até o que ele é hoje.
A alternativa mais óbvia é dizer que “design inteligente” não necessariamente significa “design perfeito”. Ainda assim, o problema continuaria para os defensores do DI que acreditam em um Deus onipotente e onisciente como designer. Sendo Deus a suma perfeição (como eu acredito que Ele seja), Ele não poderia ter feito melhor no caso do nosso genoma? Ou do nosso olho? Se poderia, mas não fez, qual o motivo? Assim como no caso do dilúvio, eu tenho problemas sérios em aceitar respostas do tipo “Deus faz as coisas de um jeito, mas ao mesmo tempo faz com que elas pareçam ter sido feitas de outro jeito”. Isso seria comparar Deus a um bandido que planta pistas falsas para despistar a polícia, ou a um curupira. Como se Deus tornasse a verdade inacessível a quem se apoia na razão, e acessível apenas a quem tem fé. Ora, João Paulo II já dizia que há duas asas que elevam o conhecimento humano em direção à verdade, a fé e a razão. Não é um ou outro. Partir do pressuposto de que só quem tem fé pode compreender as verdades sobre a natureza é fazer pouco da razão humana, que também é dom de Deus.
Um PS: Em seu texto, Ball diz que a esfera da religião é ser “fonte de conselho sobre como viver”. Isso é reducionismo. A religião não é apenas código moral. Ela também faz afirmações sobre Deus e sobre a relação de Deus com o mundo e as criaturas. Essas afirmações podem estar erradas ou não, mas também fazem parte do escopo da religião.
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