Hoje, 13 de outubro, é aniversário do Milagre do Sol, ocorrido em Fátima, e que marcou a última das aparições de Nossa Senhora aos pastorinhos Lúcia, Francisco e Jacinta naquela vila portuguesa, em 1917. No ano passado, um leitor do blog, o Renan Pinheiro, me chamou a atenção para uma edição da Revista Cultural do Santuário de Fátima – Fátima XXI, publicada em novembro de 2017 e que trazia um caderno especial sobre o Milagre do Sol. Demorou, mas, graças ao amigo Jorge Ferraz, agora tenho em mãos um exemplar. Não é uma revista, é um livro! Só de “caderno especial” são cerca de 170 páginas cobrindo todo tipo de aspecto envolvendo aquele 13 de outubro, do contexto histórico às reflexões teológicas (gostei muito do ensaio sobre o milagre como atestado de credibilidade da mensagem dos videntes), passando pela cobertura da imprensa da época, à iconografia posterior de Fátima e do milagre, inúmeras fotos daquele dia... enfim, verdadeiramente uma preciosidade.
O que destoou um pouco ali foi justamente o texto sobre o milagre visto à luz da ciência, escrito por Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra. De outros textos dele que já li, deduzo que seja um cético, ainda que não creia na incompatibilidade intrínseca entre ciência e fé – ele parece estar mais para os “magistérios não interferentes”, e inclusive cita Stephen Jay Gould no artigo. A questão é que, para Fiolhais, ou se adere ao “Deus das lacunas”, que ele acertadamente critica, ou se abraça a ideia, segundo ele “consensual”, de que “não existem milagres no sentido de interrupção local e temporária das leis naturais. A teologia moderna (...) entende por ‘milagre’ uma interpretação de sinais incomuns que podem servir ao crente para o fortalecimento de sua fé (ou, porventura, para convencer o não crente)”. E tertium non datur, para o professor luso. Mas será isso mesmo?
Não é necessário que o Sol tenha saído do seu lugar para que tenha havido algo extraordinário e sobrenatural naquele dia
A partir daí, Fiolhais se lança na busca por uma explicação natural para o Milagre do Sol, e que ele julga ter encontrado no trabalho do padre Stanley Jaki, para quem “tudo o que se passou naquele dia em Fátima tinha causas naturais”, estando o “milagre” mais no fato de ser “inexplicável” que o sinal tenha ocorrido no dia exato em que a pastorinha Lúcia havia afirmado que ele ocorreria. Eu já resumi brevemente o argumento do padre Jaki no centenário do milagre, e Fiolhais acrescenta a possibilidade de “impressões na retina, diversas conforme os indivíduos, que podem ser consideradas percepções alteradas da realidade”, causadas pela ação de “olhar fixamente para o sol, na esperança de avistar algo estranho”.
O físico, então, conclui: “é muito provável que tenham ocorrido em simultâneo as duas circunstâncias: condições meteorológicas particulares e formação de imagens após fixação do sol, num quadro que era de grande ansiedade perante a realização de um milagre por parte de uma multidão esmagadoramente crédula”. Claro que isso não explica o fato de céticos, que foram a Fátima ansiosos não por um fato extraordinário, mas por desmoralizar tudo aquilo, também terem presenciado o movimento do disco solar; além disso, segundo os relatos, a luz do sol não incomodava mesmo ao se olhar diretamente para ele.
Acho curiosa a ênfase que Fiolhais coloca no óbvio: o corpo celeste Sol não se moveu freneticamente naquele dia. Isso é evidente, pois, se o tivesse feito, o Sistema Solar todo teria entrado em colapso. Nem o mais ardoroso devoto de Nossa Senhora de Fátima haverá de defender algo assim. Mas concluir daí que, se o Sol não dançou no espaço, então é certo que não aconteceu nada de sobrenatural em 13 de outubro de 1917 é o famoso non sequitur. Continuo achando, como disse cinco anos atrás, que é preciso ter mais fé para crer na sucessão incrível de coincidências naturais defendida pelo padre Jaki e pelos céticos citados por Fiolhais que para crer em um milagre sic et simpliciter.
Não é necessário que o Sol tenha saído do seu lugar para que tenha havido algo extraordinário e sobrenatural naquele dia. Há explicações muito mais simples, como uma visão – visão mesmo, no sentido “religioso” da palavra, não uma ilusão de ótica formada por uma combinação de partículas de água assim e assado que refletiam o sol desta ou daquela maneira, dando a impressão de que ele fazia isso e aquilo, aliada às disposições mentais particulares dos que desejavam ver um milagre, resultando em percepções diferentes para cada pessoa que estava na Cova da Iria. Mas, para aceitar essas explicações, é preciso abandonar esse preto-no-branco e ampliar seu “repertório de imaginação”, como me disse o Jorge numa conversa breve que tivemos sobre o artigo de Fiolhais.
Uma coisa é investigar circunstâncias naturais que possam explicar um fato considerado milagroso, outra coisa é essa espécie de desespero para encontrar uma explicação natural, ainda que ela exija uma série de coincidências dignas de vencedor da Mega-Sena com um único volante de seis dezenas. O artigo de Fiolhais está mais para esse segundo grupo que para o primeiro.
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