Quando se fala em “diálogo entre ciência e religião”, muita gente coloca ênfase demais nos termos “ciência” e “religião”, e se esquece um pouco do… diálogo. O fato é que muita gente que se diz interessada nesse debate só quer falar, mas não quer ouvir, especialmente por causa do preconceito – seja contra a ciência, seja contra a religião. Na semana passada li sobre dois eventos realizados nos Estados Unidos em que os palestrantes ressaltaram justamente esse aspecto do tema: para se estabelecer um diálogo mínimo, é preciso levar em consideração o que as pessoas têm a dizer, em vez de desprezar antecipadamente o discurso alheio com afirmações do tipo “mas isso não está na Bíblia” ou “religião é apenas um monte de mitos idiotas”.
Em um evento de um dia na Primeira Igreja Batista de Austin (Texas), dirigido aos membros daquela comunidade, o professor de Teologia Barry Harvey foi logo de cara dando um exemplo de situação em que se rejeita a ciência sem sequer prestar atenção nas evidências: o caso da idade do universo. Se você diz que ele tem 13 bilhões de anos, seu interlocutor vai dizer “não é assim que esta na Bíblia” e nem vai querer saber o que mais você tem a explicar sobre o assunto. Assim realmente não tem como haver diálogo. “Na maioria das vezes, isso gera mais calor do que luz”, disse Harvey sobre o “diálogo” entre ciência e fé. Gostei da analogia.
“Acho que as pessoas estão ansiosas por serem tratadas como gente que tem cérebro”, disse um dos pastores da Primeira Igreja Batista, Roger Paynter. De fato. Certos setores mais exaltados do ateísmo militante gostam de pensar que o sujeito tem mesmo que ser muito burro, ou idiota, para ter uma religião (não que isso vá ajudar a causa ateísta a ganhar mais adeptos, acrescento. No máximo serve como terapia de grupo, do tipo “vejam como somos esclarecidos” enquanto se dá tapinhas nas costas uns dos outros). Mas, da parte dos crentes, também é preciso agir como gente que tem cérebro – desconsiderar evidência científica porque contradiz uma determinada interpretação bíblica não ajuda muito na busca pela verdade sobre o mundo.
Já um outro evento, na Universidade Drury, foi dirigido a um público mais amplo, mas teve o mesmo objetivo. O fundador do Centro de Teologia e Ciências Naturais em Berkeley (Califórnia), Robert John Russell, pediu por um diálogo mais respeitoso entre ciência e religião. Russell é pastor da United Church of Christ e doutor em Física. Ele se colocou contra a dicotomia entre criação e evolução (suponho que nesse caso “criação” não seja a mesma coisa que “criacionismo” – é possível compatibilizar a evolução proposta por Darwin com a noção de que o universo foi criado por Deus, mas não com as teorias criacionistas), e basta dar uma olhada na repercussão entre o público para ver que ali também havia gente que quer ser tratada como quem tem cérebro. Um dos participantes, por exemplo, queria entender melhor a teoria do Big Bang (proposta por um padre, nunca é demais lembrar) e saber como ela se harmoniza com as crenças religiosas. Outros manifestaram seu desejo de harmonizar as duas formas de conhecimento e rejeitaram a noção de que “ou se está de um lado, ou de outro”, como se fosse obrigatório escolher entre ciência e fé.
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Aproveito para lembrar que depois de amanhã este blogueiro estará no programa Escola da Fé, da TV Canção Nova, falando sobre ciência e religião, cobertura da Igreja Católica na imprensa e outros assuntos. Ao vivo, às 20h30.
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