Nunca tinha ouvido falar de Michael Gungor. Mas uma pesquisa rápida mostra que ele e a esposa, Lisa, são razoavelmente conhecidos no cenário musical protestante norte-americano, fazendo uma música com temas cristãos, mas cujo ecletismo torna difícil de encaixar em um gênero específico. Eles já ganharam um Dove (prêmio para música gospel) e seu coletivo musical, Gungor, já foi indicado várias vezes ao Grammy (mas ainda não ganhou o prêmio).
Mas parece que, pelo menos entre alguns grupos, Gungor caiu em desgraça por causa de suas opiniões a respeito do literalismo bíblico. O site da revista cristã World publicou, no dia 2, um texto acusando Gungor de “se afastar da ortodoxia bíblica”, e a reação foi intensa, levando até ao cancelamento de shows da banda. No dia 6, Gungor publicou em seu blog um texto reafirmando suas crenças cristãs, mas dizendo que não há como interpretar 100% literalmente a totalidade do texto bíblico. Ele não acredita em um dilúvio global, por exemplo. “Por quê? Por causa da ciência e do pensamento racional”. Em seguida, ele explica que é falso pensar que negar a literalidade absoluta de um trecho da Bíblia obriga a negar a literalidade de toda a Bíblia, mostra todos os problemas de uma interpretação literal do dilúvio, nega veementemente a noção de um universo criado há 6 mil anos, e arrisca uma explicação sociológica para tanta insistência nas questões envolvendo a origem do universo. Trata-se de reforçar a identidade da panelinha. “As panelinhas tendem a enfatizar coisas que na verdade não importam para mais ninguém a não ser os da panelinha. É um modo de saber quem também faz parte dela”, diz, acrescentando que os fundamentalistas bíblicos deviam estar pensando que Gungor era parte da panelinha, e se decepcionaram ao saber que não era bem assim.
O músico, no entanto, não vê os fundamentalistas com desprezo, e lhes manda uma mensagem de confiança, mas com um alerta: “Saibam que, se vocês criarem essas dicotomias nas quais forçamos as pessoas ou a cair no campo do literalismo bíblico cientificamente cego, ou no campo dos que descartam a Bíblia como mentira completa, vocês estarão roubando de muitas pessoas parte da riqueza que a Bíblia oferece”, e que essa atitude só ajuda a criar mais pessoas cínicas e antirreligiosas.
Anteontem, o site da Fundação BioLogos publicou a entrevista que fez com Gungor. Nela, o músico explica melhor quais são suas convicções a respeito da origem do universo e da diversidade da vida na Terra, reafirma sua defesa da teoria da evolução (e conta como ele, criado num ambiente de fundamentalismo bíblico, descobriu e concordou com as ideias de Darwin) e mostra como ele a concilia com sua fé cristã. Gungor defende o que muitas vezes já foi repetido aqui no blog: deixemos os cientistas pesquisarem, e se o que eles descobrirem bater de frente com a interpretação que temos de certos trechos da Bíblia, melhor questionar nossa interpretação.
Em sua última resposta, Gungor ainda diz que estamos fazendo tanto barulho sobre essas questões enquanto há cristãos sendo massacrados no Iraque, enquanto há pessoas precisando de comida e de água, e que há muito mais a unir os cristãos que a dividi-los. Não significa que o debate seja inútil, e o próprio Gungor diz “vamos debater (…) mas vamos lembrar que, no fim, estamos nisso juntos”. Nessa estou com ele. Embora eu duvide que alguém vá salvar ou perder a sua alma por defender criacionismo de Terra jovem, Design Inteligente ou evolução, a discussão teórica/teológica/chame como quiser é importante, sim. O problema é ficar apenas nela e esquecer a oração e as obras de misericórdia, que são obrigações do cristão tanto quanto conhecer bem a sua doutrina.
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