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No post anterior eu trouxe a argumentação de Paul Wallace a favor de aproveitar o ambiente das igrejas para ensinar noções de ciência aos frequentadores. Como eu havia dito, perguntei a alguns padres e pastores que têm experiência no diálogo entre ciência e fé a sua opinião sobre o texto de Wallace. Hoje publico as respostas que recebi deles.

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“Existe uma tradição que se enraiza nos livros sapienciais e em Romanos 1, muito explorada depois pelos padres da Igreja e pela Escolástica, principalmente a escola franciscana, de considerar a natureza como o 2.º livro de Deus (ao lado da Bíblia). São Boaventura reflete sobre o rastro da Trindade em cada criatura. Santo Tomás indica o argumento cosmológico como caminho para verificar a existência de Deus”, afirma o padre Celso Nogueira, dos Legionários de Cristo. O pastor presbiteriano Agemir de Carvalho Dias descreve o mesmíssimo cenário, que levou ao surgimento da chamada “Teologia Natural”; mas, especialmente a partir da Reforma Protestante, segundo Dias, cresceu “a ideia de que a revelação natural era insuficiente para nos dar um conhecimento completo a respeito de Deus e da sua vontade, e assim os teólogos se dedicaram à revelação especial, ou seja, a Bíblia e a sua interpretação”.

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O padre Celso segue dizendo que hoje, por causa da ruptura cultural entre fé e razão, falta à ciência a reflexão teológica e espiritual do conteúdo fornecido pela observação do mundo físico, conhecimento esse ampliado pela ciência atual. “Wallace coloca isso em um contexto bem americano, tendo em conta aquele fundamentalismo protestante; nesse sentido essa abordagem é menos aplicável em outros ambientes”, argumenta. Para o sacerdote, até seria possível repetir por aqui algo como o que Paul Wallace faz em Atlanta, mas de outra maneira, mais contemplativa e menos apologética. “Uma maneira de fazer isso seria tentar recuperar esse conceito de Liber Creationis, mas com a informação atualmente disponível”, afirma.

Já o pastor Agemir Dias e o reverendo anglicano Luiz Caetano Teixeira são mais entusiastas da proposta de Wallace, tendo até experiências pessoais para confirmar sua percepção. Teixeira é formado em Matemática e Física, trabalhou com pesquisa na área de Astrofísica e Astronomia e lida com ciência desde os 9 anos, quando foi inscrito pelo pai em um clube de astronomia mirim. “Quando me tornei cristão, nunca tive qualquer tipo de crise existencial por causa da ciência; antes, ela sempre me fez perceber a beleza da minha Fé… e vice-versa!”, afirma. O reverendo conta já ter dado muitas aulas de Ciências nas comunidades onde foi pároco, especialmente no litoral sul de Santa Catarina, no fim dos anos 80 (hoje ele atua no Rio de Janeiro). “Cheguei mesmo a organizar seminários de atualização para professores de Ciências e Matemática da região, e fiz algumas atividades integrando aqueles professores com a Universidade”, recorda.

O público-alvo do reverendo anglicano também incluía as crianças. “Eu costumava mesclar a ciência com o catecismo, fazendo as crianças apreciarem a obra da Criação. Conversava com as crianças que ciência e religião são linguagens diferentes que falam sobre o universo e sobre a vida”, define, fazendo questão de ressaltar sua adesão à teoria da evolução como proposta por Darwin (assim como Paul Wallace, aliás). “As crianças curtiam muito as experiências de óptica (refração da luz, reflexão, etc.) e as observações a olho nu do céu noturno, observar planetas, o movimento das estrelas. A igreja tinha um enorme parque em volta e a pouca luminosidade ajudava a observação sistemática”, recorda. Ainda hoje, o reverendo Luiz Caetano diz sempre usar de explicações científicas, em linguagem compreensível pelo povo, em seus sermões, quando surge a oportunidade.

Já o pastor Agemir, hoje professor da Faculdade Evangélica do Paraná, lidou com um público bem mais exigente, em São Paulo. “Tive a honra de ser pastor de uma comunidade em que muitos dos membros eram cientistas: a Igreja Presbiteriana do Butantã. Como esta igreja ficava nas portas da USP, professores, funcionários e alunos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) desta instituição de ensino participavam da igreja”, recorda. Por isso, o conselho da igreja resolveu criar um evento, a Sexta Filosófica, que segue firme até hoje. “A Sexta Filosófica foi coordenada por muito tempo pelo Prof. Dr. Luiz Salomão, que era docente da USP, fisiologista e que desenvolveu importante pesquisa sobre o câncer”, conta o pastor Agemir. “Como estudar ciência hoje na igreja? entendo que a igreja não deve assumir a função da escola de formar cientistas, mas deve ser um espaço para se tratar dos temas vitais da humanidade; assim, ela não forma, mas desperta o interesse vital”, acrescenta.

Não surpreende, portanto, que tanto o reverendo Luiz Caetano quanto o pastor Agemir tenham gostado tanto do plano de Paul Wallace. “Eu sou plenamente a favor, e acho importante que a ciência entre no universo das igrejas para ajudar a conter a irracionalidade, o conservadorismo histérico e a burrice crônica que avança enormemente no mundo religioso”, finaliza o reverendo anglicano.

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