Continuando nossa análise dos resultados da pesquisa do Pew Research Center, iniciada no post de anteontem, queria comentar um tema bem específico: a opinião dos norte-americanos sobre a participação das religiões no debate a respeito de políticas públicas relativas a temas científicos. A população está praticamente dividida: enquanto 50% dos entrevistados acreditam que as igrejas deveriam participar da discussão, 46% acham que eles deveriam ficar de fora da conversa (os dados estão no terço final da página linkada neste parágrafo).
A tendência a defender a participação das igrejas no debate aumenta à medida que o entrevistado vai a cultos religiosos com maior frequência. E o outro recorte que nos interessa tem a ver com a denominação do entrevistado: dois terços ou mais dos evangélicos brancos e dos protestantes negros são a favor do engajamento das igrejas na discussão sobre políticas públicas envolvendo temas científicos. Por outro lado, menos da metade dos católicos tem essa posição: são 45%, contra 49% segundo os quais as igrejas não têm de participar do debate. Não deixa de ser curioso, porque faz bem pouco tempo o papa Francisco lançou uma encíclica que tem um propósito claro de influenciar as discussões sobre as políticas ambientais. Mas, enquanto a Laudato Si’ foi divulgada em 18 de junho deste ano, a pesquisa da Pew foi feita em agosto do ano passado.
Não consta que a pesquisa tenha feito perguntas mais aprofundadas sobre quais seriam esses temas de políticas públicas envolvendo ciência a respeito dos quais as religiões deveriam ter o direito de se manifestar. Mas podemos citar alguns, além das próprias questões ambientais. Pelo menos nos Estados Unidos, é grande a pressão pela revisão dos currículos de ensino de ciências, para que acomodam visões criacionistas ou o Design Inteligente, ou para que tirem força dos conteúdos sobre evolução. Além disso, há as práticas científicas que colidem frontalmente com algumas convicções religiosas: por exemplo, a legislação deveria permitir, ou o governo deveria bancar pesquisas envolvendo manipulação genética ou a destruição de embriões para a obtenção de células-tronco?
Minha posição pessoal é a de que as igrejas são integrantes da sociedade civil tanto quanto sindicatos, entidades de classe, ONGs, associações de bairro e o que mais houver nesse sentido. Portanto, têm todo o direito de manifestar sua opinião sobre temas nos quais julgue ter uma contribuição importante a oferecer. Isso nem de longe significa a “violação do Estado laico” que muita gente adora invocar nesses casos, afinal a decisão final continua sendo do poder público, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário. A igreja ou grupo religioso vai oferecer seus argumentos, não vai impor um resultado final. E esse intercâmbio pode ajudar os religiosos a se inteirar das mais recentes técnicas e descobertas científicas.
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