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Galileu demonstrando novas teorias astronômicas na Universidade de Pádua, pintura de Félix Parra.
Caso Galileu é um dos preferidos daqueles que usam distorções históricas para criar a narrativa de uma Igreja Católica hostil à ciência.| Foto: Reprodução

Faz pouco mais de um mês, li no blog da Fundação do Observatório Vaticano um texto escrito por um dos pesquisadores da instituição, Christopher Graney, a respeito de um pequeno livro publicado em 2017 com uma pesquisa sobre os motivos que levavam jovens católicos a abandonarem a Igreja. Resumindo bastante, o estudo, realizado em 2015, pegou 204 ex-católicos (184 com idades entre 18 e 25 anos e outros 20 que tinham de 15 a 17 anos). O questionário listava 24 motivos pelos quais uma pessoa podia deixar de ser católica e pedia que, para cada um desses motivos, o entrevistado dissesse se aquele motivo específico “não era nada importante” (nota 1), “era um pouco importante” (nota 2), “era importante” (nota 3) ou “era muito importante” (nota 4) em sua decisão de deixar a Igreja.

Depois, os 24 motivos foram ranqueados tendo como critério a porcentagem de entrevistados que deram notas 3 ou 4. Empatados em primeiro lugar, vieram “Parei de acreditar no que a Igreja Católica prega” e “Não gostava das regras e da postura julgadora da Igreja Católica”, com 50% cada um (ou seja, para cada razão 102 entrevistados deram ou nota 3, ou nota 4). Em terceiro lugar, com 47%, veio “Eu discordo da posição da Igreja em uma questão política importante para mim (por exemplo, imigração, união homossexual, pena de morte, aborto, mudanças climáticas)”. E, em quarto lugar, com 36%, ficou “A Igreja entra em conflito com minhas crenças científicas”. Foi mais que “parei de acreditar em Deus” (quinto lugar, com 30%), mais que “Encontrei uma religião que me agradou mais”, mais que a decepção com o modo como a Igreja lidou com a questão do abuso de menores, mais que um questionamento à fé trazido por alguma tragédia pessoal.

Uma coisa é a pessoa deixar a Igreja por causa de algo que realmente a Igreja pede ou ensina (moral sexual, doutrina social, disciplina sobre sacramentos, o que for); outra coisa é a pessoa deixar a Igreja por causa de uma falsidade histórica

Complicado isso, não? Graney faz alguns questionamentos metodológicos, citando até mesmo o palavreado usado – como assim, “minhas crenças científicas” em vez de “evidência científica”? Afinal, minha “crença científica” pode estar simplesmente errada... Além disso, eu (que não li a pesquisa, apenas o post que comento aqui) ainda acrescento que pode haver um bocado de nuances. Por exemplo, quantas pessoas deram nota 3 ou 4 apenas para a frase envolvendo ciência, e notas 1 e 2 para todas as outras 23 razões? Ou vice-versa – por exemplo, o entrevistado deu nota 3 à frase sobre ciência, mas deu nota 4 a outros fatores, indicando que a questão científica não foi a predominante. Sem isso, é complicado saber que peso esse suposto conflito teve na decisão individual de deixar a Igreja.

Mas Graney reconhece que, metodologias confusas à parte, parece haver coisa aí que merece consideração. O lado ruim é que o discurso da “Igreja como adversária da ciência” parece ter audiência entre esse público. O lado bom é que, como afirma Graney, esse é um ponto onde há conserto. Pois uma coisa é a pessoa deixar a Igreja por causa de algo que realmente a Igreja pede ou ensina (moral sexual, doutrina social, disciplina sobre sacramentos, o que for); outra coisa é a pessoa deixar a Igreja por causa de uma falsidade histórica. “Esse jovem está saindo da Igreja por causa de um mito. A solução é destruir o mito”, afirma Graney.

É na continuação do raciocínio que talvez ele tenha deixado escapar algo. “Se os jovens acham que a Igreja tem algum problema com a ciência, é provavelmente porque eles estão ouvindo isso de outras pessoas dentro da própria Igreja e que, de alguma forma, aceitaram o mito”, escreve Graney. Não me parece ser só isso – aliás, talvez não seja isso. Um dado interessante é que a idade mediana (não média) em que esses ex-católicos saíram da Igreja é de 13 anos – ou seja, metade o fez antes do 13.º aniversário, a outra metade o fez depois. Eu poderia apostar que talvez esses adolescentes não tenham ouvido o mito de outros católicos, mas de professores, em livros didáticos ou nos meios de comunicação. E, se esses jovens, no meio da crise de fé, foram buscar os católicos que conhecem para conferir se era isso mesmo, podem, sim, ter se deparado com irmãos de fé que também compraram o mito, mas podem simplesmente ter encontrado gente que, mesmo sabendo que a lenda é falsa, foi incapaz de dar respostas satisfatórias.

Por isso Graney tem razão quando afirma que é preciso “garantir que todos os católicos, incluindo os mais velhos, sejam conscientizados para reconhecer o mito e não deixá-lo entrar na cabeça dos jovens”. Estamos mal nos dois campos de batalha mais importantes, o do ensino e o da opinião pública. E até acredito que as paróquias tenham outras prioridades em vez de desfazer lendas sobre catolicismo e ciência, mas a omissão completa já não é uma opção. Vejo muitos bons católicos colocando (e têm mais é de colocar, mesmo) empenho na apologética, para responder a objeções vindas de outras confissões cristãs, mas ela tem de contemplar também as falsidades apresentadas pelo ateísmo militante. Deixar a fé de adolescentes e jovens balançar por causa de uma mentira é um enorme desserviço que fazemos a eles e à Igreja.

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