Giberson deu duas palestras no evento ocorrido em São Paulo, no início de maio. (Foto: Marcio Antonio Campos/Gazeta do Povo)| Foto:

Infelizmente a situação não está muito boa para quem promove o diálogo saudável entre Cristianismo e evolução nos Estados Unidos. A avaliação é de Karl Giberson, professor universitário e autor de livros sobre o tema (o mais recente é Seven glorious days: a scientist retells the Genesis creation story, e o próximo será Saving the original sinner: how Christians have used the Bible’s first man to oppress, inspire, and make sense of the world). Os leitores mais antigos do blog se lembram de uma entrevista que fiz com ele, cinco anos atrás, por e-mail. Em maio deste ano, Giberson esteve no Brasil para participar do congresso de ciência e fé organizado pela comunidade evangélica Sara Nossa Terra. Naquela ocasião, pudemos conversar mais um pouco e saber como ele (que já não tem mais vínculo com a Fundação BioLogos, da qual foi presidente) viu os avanços e retrocessos nesse debate desde 2009. Agora que o blogueiro finalmente venceu a procrastinação e transcreveu o papo, confiram a íntegra da entrevista.

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Nós conversamos pela primeira vez cinco anos atrás. De lá para cá, houve avanços ou retrocessos na tarefa de promover a conciliação entre o Cristianismo, especialmente em sua vertente evangélica, e a evolução?

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Eu posso falar sobre os Estados Unidos, e lá a situação piorou. Da última vez que fizemos uma pesquisa para avaliar se as pessoas estavam pensando que a criação e a evolução podem caminhar juntas, como num tipo de evolução teísta, o número de entrevistados que aderem a essa ideia diminuiu alguns pontos porcentuais, enquanto as visões fundamentalistas ganharam terreno. Então, a situação não melhorou. Não temos muito motivo para comemorar.

Por que isso acontece?

A dificuldade que temos nos Estados Unidos para se compreender essa questão é o fato de o país estar se tornando muito polarizado politicamente, e isso afeta muitos assuntos, não apenas a relação entre ciência e fé, mas praticamente qualquer tema que seja objeto de debate público. Parece que só existem os extremos, e ninguém no meio. Vemos isso na política, onde quem é de direita se move cada vez mais para a extrema-direita, e quem é de esquerda vai cada vez mais para a extrema-esquerda. Isso contribui para exacerbar tensões entre ciência e fé.

Na nossa primeira entrevista, o senhor disse temer que estivéssemos chegando a um ponto em que a discussão deixaria de ser uma busca pela verdade para se tornar um embate no qual o objetivo é simplesmente esmagar a parte contrária, e que isso não teria volta. Esse ponto chegou, então?

Do modo como as coisas estão hoje, para mim é inconcebível imaginar um modo como isso pode melhorar. Mesmo aqueles que estão trabalhando duro para promover a conciliação, como a Fundação BioLogos, que gastam anualmente US$ 1 milhão, US$ 2 milhões só para ajudar os evangélicos americanos a compreender e aceitar a ciência da evolução, mesmo que eles façam tudo certo, têm de brigar contra o Discovery Institute, que gasta US$ 10 milhões, US$ 15 milhões por ano; ou contra o Answers in Genesis, que gasta US$ 29 milhões por ano; ou o Reasons to Believe, de Hugh Ross, e outras organizações que tentam desacreditar a evolução. Ou seja, há provavelmente 50 vezes mais dinheiro sendo gasto para convencer os cristãos que a Bíblia e a evolução não têm como andar juntas que para promover a visão da conciliação. É muito complicado imaginar de que forma vamos virar esse jogo.

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Cinco anos atrás, a BioLogos era provavelmente a única voz importante pela conciliação entre Cristianismo e evolução. Desde então, apareceram outros atores importantes nessa mesma linha?

Não muito. O que há de positivo é que apareceu uma entidade chamada Colossian Forum, que está tentando promover um diálogo, mais ou menos como faz a BioLogos, que por sua vez se tornou bem controversa entre os evangélicos americanos. Ken Ham gasta boa parte do seu tempo atacando a BioLogos, dizendo aos cristãos que se trata de uma organização “liberal” que nega a Bíblia.

Falando em Ken Ham, qual a sua opinião sobre o recente debate entre ele e Bill Nye?

Ham mostrou no debate por que ele tem tanto sucesso no que faz. Ele apresenta esses cientistas e engenheiros que também são criacionistas, para mostrar que é possível ser um criacionista e oferecer contribuições significativas para a ciência. Esse argumento é bem poderoso, mas o que Ham não conta para as pessoas, e é algo que Nye não foi capaz de explorar, é que em muitos casos essas pessoas são engenheiros, e não cientistas; e mesmo os cientistas não são exatamente os maiorais no ramo em que atuam, eu mesmo nunca tinha ouvido falar em nenhum deles. Eles representam um grupo meio à margem da comunidade científica, e são pouquíssimos. Não deve passar de 0,1% a proporção de cientistas que concordam com essas pessoas, e mesmo assim Ham as apresenta como se fossem exemplos comuns dentro da comunidade. Nye não explorou bem esse ponto. E, só por estar em um debate com Bill Nye, Ham teve a oportunidade de passar a impressão de que se trata apenas de dois pontos de vista diferentes. Nesse sentido (e não pela riqueza ou precisão dos argumentos), me parece que Ham se beneficiou mais do debate. Também me parece, mas não posso dizer com 100% de certeza, que o debate e a visibilidade nacional gerada por ele ajudaram Ham a bancar seu projeto da Arca de Noé, então o que Bill Nye conseguiu foi dar a Ham a chance de conseguir completar os recursos para mais uma iniciativa anticientífica.

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No lugar de Nye, o que o senhor teria feito de diferente?

Acho que ele deveria ter tentado raciocinar mais como um cristão, mostrando que a maneira como Ken Ham lê e interpreta a Bíblia é errada. Nye cometeu o erro que muitos acadêmicos cometem, que é o de achar que esse é um debate sobre ciência. Ele foi lá, mostrou todos os fatos e evidências a favor da evolução de um ponto de vista puramente científico, mas, convenhamos, não é muita gente que vai se convencer apenas com base nisso. Teria sido interessante que Nye desafiasse Ham no campo bíblico.

William Lane Craig disse, em entrevista ao blog, que a melhor maneira de convencer criacionistas não era tanto atacar sua compreensão da ciência, mas sua compreensão da Bíblia. É essa a estratégia adequada, então?

Exato. Não se trata ridicularizar as crenças alheias, ou Ken Ham, ou seus seguidores, mas de mostrar que eles adotaram convicções muito profundas sobre que tipo de literatura é a Bíblia, e sobre como essa literatura deve ser analisada, mas que são convicções muito minoritárias entre os cristãos, e ainda mais raras entre aqueles que se dispõem a estudar com seriedade o conteúdo das Escrituras. Não dá para pensar que Deus escondeu revelações de caráter científico nas entrelinhas do texto bíblico, mas Ken Ham acha que Deus escreveu a Bíblia tentando comunicar coisas que só o homem do século 21 entenderia. Os estudiosos dos textos sagrados não vão concordar com isso. Então, um bom modo de lidar com criacionistas e mostrar o quão excêntrica é a abordagem que eles fazem da Bíblia.

Aviso: A viagem e a hospedagem do blogueiro para o congresso citado neste post foram bancadas pela Sara Nossa Terra.

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