Manual distribuído na JMJ foi criado pela Fundação Jerôme Lejeune e traduzido para o português. (Foto: Divulgação)| Foto:

Na semana passada, comentei sobre a réplica do feto de 12 semanas que foi distribuída durante a Jornada Mundial da Juventude. Hoje, completo as informações sobre a JMJ comentando o guia de bioética que foi distribuído aos peregrinos.

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Keys to Bioethics tem pouco menos de 80 páginas e foi publicado pela primeira vez em francês, por iniciativa da Fundação Jerôme Lejeune. Além do português, o guia esteve disponível em alguns outros idiomas para os participantes estrangeiros da JMJ. Essa é uma “edição especial” para a Jornada cujo PDF não está disponível na internet, mas vocês podem baixar uma versão em português de Portugal; as diferenças são mínimas: a “versão JMJ” tem uma capa diferente, uma carta de apresentação assinada por Jean-Marie Le Mene (presidente da Fundação Jerôme Lejeune) e por dom Orani Tempesta (arcebispo do Rio), e ainda inclui um “capítulo bônus” sobre teoria de gênero. Esse capítulo não está na versão de Portugal, mas vocês podem lê-lo na edição americana do guia.

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São nove capítulos no total: História do pequeno ser humano, aborto, diagnóstico pré-natal, assistência médica à procriação, diagnóstico pré-implantação, pesquisa sobre o embrião, eutanásia, doação de órgãos, e teorias de gênero. Em todos eles, o leitor vai encontrar, logo no início, uma série de informações de caráter científico, quase sempre bem completas. Existem algumas omissões: ao descrever os métodos utilizados para abortar, o manual se refere ao aborto de nascimento parcial apenas com as palavras “método terrível demais para ser descrito”, ou seja, deixa no vácuo o leitor que não conhece o procedimento. De fato, é terrível, mas é justamente a descrição que ajuda o leitor a entender o extremo horror desse tipo específico de aborto.

Depois da descrição científica vêm os dilemas éticos, apresentados no formato de perguntas e respostas que, ainda que tragam reflexões de caráter filosófico, não possuem nenhum componente religioso ou dogmático. É só no fim de cada capítulo que há um quadro intitulado “O que diz a Igreja”, com trechos de documentos, encíclicas, pronunciamentos papais, do Catecismo ou do YouCat. Esse quadro é precedido de alguns depoimentos, que às vezes entram no aspecto religioso também.

Eu, particularmente, gostei muito do guia. É uma fonte valiosa para muitos jovens, e serve perfeitamente como um primeiro contato com as questões de bioética. Mas também conversei com dois especialistas no assunto para saber a opinião deles. O padre Hélio Luciano, que era dentista antes de se tornar sacerdote, é mestre em Bioética pela Universidade de Navarra (Espanha) e em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma; agora, está fazendo o doutorado em Bioética. Ele, que já conhecia o material antes da distribuição na JMJ, aponta uma falha não no manual em si, mas na sua divulgação. “Creio que era necessário ter falado dele durante a JMJ, somente colocar na mochila parece-me pouco. Era necessário ter investido mais como se fez com o YouCat“, afirma, referindo-se à versão “jovem” do Catecismo feita por iniciativa de Bento XVI e distribuída na JMJ de Madri, em 2011. Concordo com o padre, e podemos fazer um paralelo com o caso dos bebezinhos de PVC. Como não foi possível colocar um em cada mochila de peregrino, os responsáveis tiveram de distribuí-los pessoalmente. Isso, no entanto, deu a oportunidade de conversar sobre a defesa da vida com as pessoas que recebiam as réplicas. Mesmo assim, o padre Hélio Luciano aponta um grande potencial no guia: “Se não me engano, foram distribuídos 900 mil exemplares em língua portuguesa. Na pior das hipóteses, somente 10% lerão o material, e ainda assim este número continua sendo expressivo”, considera.

O oncologista Cícero Urban, professor de Bioética no curso de Medicina e na pós-graduação na Universidade Positivo, aqui em Curitiba, considera a iniciativa de levar a bioética aos jovens oportuna. Quanto ao conteúdo, as opiniões divergem um pouco. “Trata-se de um material que já circula o mundo, com uma linguagem simples, mas correta, dando argumentação científica para as questões éticas tratadas”, diz o padre Hélio Luciano. Já Cícero Urban considerou o manual muito longo, com uma tradução inadequada (eu mesmo identifiquei alguns erros de revisão, alguns que chamam bastante a atenção, como um “messo” em vez de “meço”). “Tem uma linguagem que acho muito pouco provável que um jovem se aventure a ler em profundidade, e além disso comete algumas poucas falhas técnicas, possivelmente relacionadas à tradução. Acho muito ‘formal’, mesmo para um adulto ‘mais ou menos’ velho como eu. Eu faria algo mais curto, interativo, com figuras mais atraentes. Aquelas que estão ali estão pesadas”, afirma.

O sacerdote ressalta um aspecto importante do manual, que faz dele uma ferramenta que pode convencer não apenas os católicos. “O diálogo com a ciência que faz o livro, em linguagem simples, desloca a argumentação do campo religioso e devolve o respeito devido aos fatos biológicos, criando uma discussão verdadeiramente ética. Se realmente o livro conseguir fazer este deslocamento, estarei contente”, afirma o padre Hélio Luciano. “A Igreja precisa passar uma mensagem de valores com argumentos que possam atingir mesmo os não católicos. O papa Francisco está abrindo portas importantes e a bioética é uma linguagem comum a crentes e não crentes”, acrescenta o professor da Universidade Positivo. Na minha opinião, Keys to Bioethics faz justamente isso que o dr. Cícero menciona: usa argumentos que independem de religião. Já disse aqui, em outra ocasião, que é uma falácia chamar de “argumento religioso” uma afirmação pelo simples fato de ser um religioso quem a profere. É preciso examinar qual é a natureza do argumento, e não do argumentador. E os católicos, ou religiosos em geral, precisam estar preparados para desmontar essa falácia quando estiverem discutindo qualquer tema de bioética.

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E você, que foi à Jornada e recebeu o guia, já leu? O que achou?

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