Mais uma dessas coincidências da vida: estou vendo a sexta temporada de Arquivo X em DVD, e em um dos episódios (chamado S.R. 819) o diretor-assistente Skinner é envenenado com o que parece ser um dispositivo nanotecnológico. E ontem, em um site da Northwestern University, nos Estados Unidos, Elizabeth Bahm publicou um artigo sobre a maneira como a religião pode enxergar a nanotecnologia.
Resumindo bem resumido, a nanotecnologia é uma área que lida com pesquisa e produção de objetos em escalas absurdamente minúsculas, da ordem de milionésimos de milímetro. As aplicações mais visíveis (se me permitem o trocadilho) da nanotecnologia atualmente, acredito eu, estão no ramo da eletrônica, onde se consegue colocar cada vez mais componentes e mais informação em peças cada vez menores. No entanto, existem muitos outros usos, já em curso ou apenas imaginados, para a nanotecnologia, como a produção de energia e a medicina.
O artigo começa com a seguinte observação: Avanços científicos e crenças religiosas têm entrado em conflito repetidamente nos últimos anos por causa de temas como pesquisas com células-tronco e evolução. À medida que a nanotecnologia ganha espaço nas vidas dos americanos, pesquisadores se perguntam se ela não encontrará oposição semelhante. É uma constatação correta, mas um pouco incompleta.
De fato, esses dois assuntos costumam opor cientistas e religiosos (percebam que eu não escrevi “opor ciência e religião”), mas esses conflitos não são do mesmo tipo. A discussão sobre a evolução gira em torno de fatos. Ou a evolução aconteceu, ou não aconteceu, e isso independe do que acreditemos (ou não) a respeito do assunto. O que os cientistas fazem é tentar desvendar como ocorreram os processos que levaram a natureza e os seres vivos ao estado atual. Para ficarmos no exemplo dos cristãos, a Bíblia não afirma nada a esse respeito de modo claro, e há interpretações que são incompatíveis com a noção de evolução por seleção natural. Mas, se as evidências científicas apontarem para o outro lado, melhor seguir o conselho de São Roberto Bellarmino e admitir que errada está aquela interpretação da Bíblia (a interpretação, não a Bíblia em si), e não a ciência.
Já a discussão sobre células-tronco embrionárias (por que todo mundo se esquece desse detalhe?) gira em torno de práticas, e não de fatos. Os cientistas podem optar por fazer pesquisa com embrião, ou podem escolher não fazer isso. A objeção baseada em religião também é de uma natureza um pouco diferente, porque ela entra no âmbito moral, envolve ações livres do ser humano. No caso da evolução, não há ações humanas envolvidas, e sim uma discussão sobre o que o mundo é, e o que o mundo foi. No caso das células embrionárias, a discussão é sobre o que nós fazemos e o que nós deveríamos fazer.
Quaisquer objeções de ordem religiosa à nanotecnologia serão desse segundo tipo, de ordem moral, relativas aos usos dessa tecnologia. A autora do artigo identifica os dilemas morais usando palavras do professor Dietram Scheufele: Para algumas pessoas, diz ele, a nanotecnologia pode significar controvérsias como biologia sintética, melhoramento humano ou desenvolvimento de armas. Para outras, pode simplesmente representar melhores tacos de golfe ou equipamento médico avançado. O potencial da nanotecnologia levanta o que Scheufele identificou com uma questão crucial: “Fazemos tudo que é possível agora, deveríamos fazer tudo que é possível? Os conflitos entre o filosoficamente e o cientificamente possível vão surgir, porque a nanotecnologia vai estar presente em praticamente todas as áreas de nossas vidas”.
Como vemos, a discussão não é se a nanotecnologia vai permitir criar microchips que serão a marca da besta do Apocalipse (acreditem, já ouvi isso por aí), e sim sobre aqueles usos que, embora cientificamente possíveis, levantam críticas do ponto de vista da moralidade. São preocupações da mesma ordem daquelas mencionadas na semana passada com o DNA sintético. Por exemplo, há quem diga que, no longo prazo, a nanotecnologia vai trazer a imortalidade, ou pelo menos um prolongamento extremo da vida (o que me lembra outro episódio da sexta temporada de Arquivo X, o do fotógrafo). Isso seria correto? Não é preciso esperar que as técnicas existam para promover este debate, pois os conceitos em torno dos quais a discussão aconteceria, como a ideia de dignidade humana, já estão aí para serem aplicados.
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