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Não teve graça
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A Inquisição Espanhola segundo Monty Python: exemplo de piada com religião que tem graça, ao contrário do que fez o Oatmeal.

Eu não costumo criticar a mistura entre humor e religião, nem mesmo quando o alvo da piada é a Igreja Católica. Gosto das tirinhas do Laerte e do Carlos Ruas (tanto que às vezes elas acabam aqui no blog), acho muita graça em coisas como A vida de Brian ou os sketches do Monty Python da Inquisição Espanhola. O amigo que me mostrou o que vai abaixo e motivou esse post ainda lembrou do “Every sperm is sacred”, de O sentido da vida.

(Aliás, sou fã do Monty Python e senti falta de uma menção decente ao grupo na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres. Por mim, teria posto um cavaleiro da Távola Redonda batendo metades de coco entrando com cada delegação no desfile dos atletas, deixando o rei Artur para acompanhar a entrada da Grã-Bretanha, obviamente.)

Dito isso, vamos ao tema do post: o Oatmeal tem muita coisa engraçada, mas definitivamente How to suck at your religion não é uma delas. A caricatura de religião que o cartum faz é simplesmente mentirosa, como se aquelas bizarrices (e algumas delas não são engraçadas nem como hipérbole) representassem o padrão dos religiosos. O Bad Catholic, hospedado no Patheos, escreveu uma réplica ponto a ponto que merece leitura. A tradução meio livre abaixo é do trecho que se refere especificamente à acusação de que a Igreja Católica atrapalha o desenvolvimento científico (para quem ainda não viu o cartum, ele critica a oposição da Igreja ao uso de células-tronco embrionárias e cita o processo de Galileu).

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OK, deixando de lado o “Não-quero-discutir-a-questão-sobre-se-o-embrião-é-uma-vida-humana-vou-apenas-fazer-o-personagem-do-bispo-culpar-o-diabo-kkk-como-a-religião-é-estúpida-e-evasiva” e indo ao que interessa: pesquisas com células-tronco embrionárias, de um ponto de vista puramente científico, são uma droga. Nos últimos 30 anos de pesquisa, não houve uma única doença em humanos curada. Nenhuma. Sucesso zero. Não tem como ressaltar isso o suficiente. Então usei frases curtinhas.

Por outro lado, a pesquisa com células-tronco adultas, que tem o apoio total da Igreja Católica, é incrível. Foi usada, com sucesso, para curar lúpus, para tratar cegueira e perda da visão, para frear o avanço da doença de Crohn, para curar atrite reumatoide, para recuperar corações debilitados, para frear os malditos tumores cerebrais, para curar certos tipos de câncer de ovário, de testículo, linfoma e leucemia (sim, sr. Inman, leucemia (a doença mencionada no seu cartum: leucemia (que se pronuncia “leucemia”, uma doença que uma tonelada de estudos prova ser possível curar com células-tronco adultas (foi mal, tinha que dar um jeito de incluir todos os estudos)))).

Agora vamos para um raciocínio incrivelmente complexo. De um lado temos um tratamento potencialmente antiético que nunca mostrou a que veio. Do outro temos um tratamento indubitavelmente ético que tem produzido resultados esplêndidos, resultados que estão andando por aí com saúde e podem testemunhar o fato. A pergunta é: o fato de a Igreja Católica apoiar os tratamentos bem-sucedidos enquanto se opõe aos ineficazes atrapalha o avanço da ciência? Não acho. E quem também não acha é o estado da Califórnia, que interrompeu o financiamento de pesquisa com células-tronco embrionárias. Se essa é a atitude opressiva e quadrada da Igreja Católica em relação à ciência, eu diria que poderíamos ter mais disso.

Quanto ao caso do Galileu, permitam-me uns segundos para lembrar três fatos divertidos, cortesia em parte de George Sim Johnston:

1. Se esse é o único evento em 2 mil anos de história da Igreja que os ateus podem usar para alegar que a Igreja se opõe à ciência, então parece que na verdade a Igreja não se opõe à ciência.

2. A Igreja não disse que Galileu estava ensinando heresia. Ela corretamente apontou que, se a Terra girava em torno do Sol, deveria haver uma mudança na posição de uma estrela observada da Terra quando ela estivesse de um lado do Sol, e depois de seis meses quando estivesse do outro lado. Galileu não foi capaz, nem com o melhor dos seus telescópios, de explicar essa “paralaxe estelar” (essa era uma objeção cientificamente válida, e que não foi resolvida até 1838, quando Friedrich Bessel conseguiu determinar a paralaxe da estrela 61 Cygni).

A Igreja deu a Galileu a seguinte opção: o copernicanismo pode ser considerado uma hipótese, inclusive superior ao sistema ptolomaico, enquanto não houver mais provas. Ele recusou. Todos tinham de acreditar no copernicanismo, apesar da falta de evidência, e apesar da alegação obviamente errada de Galileu, de que os planetas orbitavam o Sol em círculos perfeitos. Mas nem isso chegava a ser um problema, até que ele tentou elaborar argumentos com base teológica (uma ironia em cuja bendita ignorância os ateus permanecem é que o homem que eles louvam como mártir das descobertas científicas foi, na verdade, um mártir da má teologia).

3. Quando Galileu foi levado à Inquisição por sua interpretação da Bíblia, foi por causa do depoimento de um padre bem idiota chamado Caccini, cujas alegações eram “uma rede de boataria, insinuações e mentiras deliberadas”, segundo o historiador Arthur Koestler. A Inquisição arquivou todas as acusações.

A seguir, o Consultor do Santo Ofício e Mestre das Questões Controversas (um título cuja simples existência já me deixa orgulhoso da minha religião), cardeal Roberto Belarmino, disse a Galileu que era perfeitamente aceitável manter o copernicanismo como uma hipótese plausível, e se houvesse “prova real” de que a Terra orbitava o Sol, “então teríamos de proceder com grande cuidado na explicação de passagens da Escritura que parecem ensinar o contrário”. Basicamente: até você ter provas, pare de tentar interpretar a Bíblia. Galileu ignorou o aviso, continuou sua campanha, e foi, então, trazido à Inquisição e colocado sob prisão domiciliar, na qual morreu como um católico frequentador da missa e de oração diária.

Não quero dizer que as ações da hierarquia da Igreja foram corretas. Isso é simplesmente para mostrar que o mito de Galileu como prova do ódio da Igreja pela ciência é bobagem. Pelamordedeus: a Igreja desenvolveu o método científico.

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Mais uma vez, quem quiser ler a resposta inteira pode visitar o site do Bad Catholic.

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