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Neutrinos apressados e a “religião sem peer-review”
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Os neutrinos apressadinhos continuam rendendo um bom debate na internet. Na quarta-feira, o professor de ciência, escritor e cineasta Alom Shaha escreveu no Guardian para mostrar como essa descoberta, mesmo que não confirmada, demonstra as diferenças entre ciência e religião.

O subtítulo (ou “gravata”, dependendo o jargão do jornal onde se trabalha) diz que “crença” significa coisas diferentes para religiosos e cientistas. “Acreditar” que nada pode viajar a uma velocidade maior que a da luz é diferente de “acreditar” na Santíssima Tridade ou no Juízo Final. Eu, particularmente, não gosto do verbo quando se aplica à ciência. Se alguma vez vocês leram aqui algo como “acreditar na evolução”, estejam certos de que foi um lapso. Prefiro “aceitar”, ou “defender”. Lembro que, quando entrevistei Karl Giberson, a primeira pergunta que fiz a ele foi sobre isso, e ele respondeu que, em um primeiro nível, mais leve, “acreditar” significa apenas “aceitar como verdadeiro”, e não haveria problema em dizer “eu acredito que dois mais dois são quatro”. Por via das dúvidas, prefiro continuar reservando o verbo para a fé mesmo, e não para teorias científicas.

Nina Briski/stock.xchng
O conhecimento testável em laboratório não é o único digno de valor, ao contrário do que pensam os cientificistas.

Shaha diz que toda afirmação feita pela ciência é sujeita a comprovação empírica, e cita o exemplo dos seus alunos de Ciências, que são estimulados a repetir por conta própria os experimentos segundo os quais as coisas sempre caem com a mesma aceleração independentemente de sua massa. Nem tudo é tão facilmente testável assim, mas ainda assim é possível buscar uma comprovação. A ciência, diz Shaha, não é dogmática como a religião. Pelo texto, no entanto, fico com a impressão de que Shaha não tem uma noção totalmente correta do que seja o que ele chama de “dogmatismo”, afinal as religiões também mudam (ainda que numa escala e velocidade menores que as da ciência): a liturgia e a interpretação dos textos sagrados são dois exemplos que vêm facilmente à mente. Aqui no blog já citamos budistas, católicos e muçulmanos para quem, se os achados da ciência desafiam certa interpretação dos textos sagrados, provavelmente o erro está na interpretação, e não na ciência (e nem no texto sagrado, para deixar claro).

(Aliás, Shaha parece bem confortável com a hipótese de haver algo que seja mais rápido que a luz, mas sua atitude de “não dá nada” contrasta um pouco com o senso descrito naquela reportagem que coloquei aqui na semana passada.)

Que a religião não tem peer-review até o autor da carta aos Hebreus (dizem que era são Paulo, mas há controvérsias) sabia: “A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê” (Hb 11,1). Para usar como exemplo um tema que surgiu na caixa de comentários outro dia, não, eu não tenho provas científicas da transubstanciação, mas eu creio nela. A pergunta é: por não ter peer-review, o conhecimento religioso é inferior ao científico? Shaha não diz com todas as letras, mas parece achar que sim. Carl Sagan era mais explícito a esse respeito. Os cientificistas, como explica Ian Hutchinson, do MIT, também acham que sim – aliás, para eles qualquer conhecimento não científico é inferior ao científico. Só que isso é reducionista demais, ao ignorar todos os aspectos da experiência humana que não se resumem ao testável e comprovável. Por isso um dos momentos mais lembrados do debate entre Dawkins e Lennox é aquele em que Lennox pergunta a Dawkins onde está a evidência científica de que sua (de Dawkins) esposa o ama. Comparações como a de Shaha devem voltar a ser feitas enquanto durar a discussão sobre os neutrinos, mas não creio que nenhuma pessoa de fé deva desenvolver um complexo de inferioridade por causa disso: o mero fato de ciência e fé serem tipos diferentes de conhecimento não tornam um superior ao outro.

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A votação para a edição 2011 do Prêmio Top Blog vai até 11 de outubro. Ano passado, o Tubo de Ensaio, concorrendo na categoria “religião/blogs profissionais”, foi o vencedor pelo voto popular. Vamos tentar o bicampeonato e buscar melhorar a posição no júri acadêmico, em que o Tubo terminou em terceiro lugar na edição 2010. Para votar, clique aqui, ou no selo ao lado.

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