O Tiago Garros, que é biólogo e também mestre e doutorando em Teologia, acabou de publicar um artigo bem interessante na revista Último Andar, da PUC-SP, sobre as implicações teológicas da descoberta de vida extraterrestre. Não vou resumir o artigo todo aqui, a intenção é que vocês leiam. Mas vou dar uns poucos pitacos.
Garros traz a perspectiva de vários acadêmicos, como Paul Davies, Ted Peters e Christian de Duve quanto à possibilidade de vida extraterrestre e eventuais implicações filosófico-teológicas. E acerta na mosca quando trata da possível reação das vertentes mais fundamentalistas, que leem a Bíblia sob o critério da literalidade absoluta (afinal, a não ser que recebamos a visita dos ETs, não dá para descartar respostas do tipo “mas o texto sagrado não diz nada sobre vida em outros planetas, e isso de ‘vida extraterrestre’ não passa de discurso científico igual ao aquecimento global e a evolução, essas lorotas que cientistas contam”).
Vale a pena também ler as observações de Garros sobre a ideia de que qualquer eventual civilização extraterrestre seria mais elaborada que a nossa, e como isso se tornou quase que uma “religião secular”, especialmente considerando a opinião dos não religiosos sobre o impacto que o contato com ETs teria sobre as religiões existentes.
Vejo que há duas questões principais nesse tópico que valem uma análise. A primeira diz respeito a nosso lugar no cosmos. No início do artigo, Garros usa o termo “abalar”, especialmente ao mencionar que uma descoberta de vida extraterrestre, ainda que no nível microbiano, “pode abalar nossa noção de exclusividade e ‘especialismo’ – já muito abalada ao longo da história por Galileu, Darwin, e outros”. Não sei se “abalar” é o melhor termo. Talvez seja para aqueles literalistas que mencionei mais acima, mas não para o restante das pessoas que têm uma fé mais madura. Eu diria que algo assim melhoraria nossa compreensão do que realmente somos e de nosso lugar no universo. Já sabemos que o que nos diferencia é termos sido criados à imagem e semelhança de Deus. Isso independe da nossa localização física no universo e também da maneira como nossos corpos foram criados. Além do mais, já existem outras teorias, como a do multiverso, que buscam desfazer a ideia que a Terra é especial ou única, e nem por isso os cristãos perdem o sono com essa hipótese. E o que Davies e De Duve afirmam sobre o universo estar “orientado” para a vida é bem semelhante ao que o padre George Coyne escreve sobre o “universo fértil”.
O outro desafio, sim, é mais complexo, pois se relaciona com a doutrina da encarnação e da salvação em Jesus Cristo, que é 100% Deus e 100% homem, na definição do Concílio de Calcedônia (que se expressou em termos mais teológicos e menos matemáticos, que fique claro). A argumentação de Christian Weidemann, que Garros traz em seu artigo, no entanto, parte do pressuposto de que eventuais civilizações extraterrestres sejam pecadoras como nós. Eu não estaria tão certo disso. C.S.Lewis, em Perelandra, o segundo volume de sua Trilogia Cósmica, faz seu protagonista travar contato com uma civilização alienígena em um estágio anterior ao do pecado original (se eu contar mais que isso, é spoiler). E, mesmo no caso de civilizações extraterrestres pecadoras, seria realmente necessária uma encarnação e uma redenção para cada uma delas, ou um único evento salvífico, ocorrido num único lugar, poderia ter efeitos por todo o universo? Eu não sei a resposta e acho que já entramos no campo da pura especulação.
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